Hong Kong: Cardeal alerta para risco de repetir Tiananmen
Porto Canal / Agências
Hong Kong, China, 14 out (Lusa) -- O cardeal Joseph Zen Ze-kiun, bispo emérito de Hong Kong, considera "possível" que os protestos pró-democracia na antiga colónia britânica acabem como na Praça de Tiananmen, com a repressão do movimento estudantil há 25 anos.
"É possível, porque nós temos de lidar com gente estúpida: tanto em Pequim como em Hong Kong", afirmou, em entrevista à agência Lusa, Joseph Zen Ze-Kiun.
"Eles são pessoas irrazoáveis. E por isso, penso que tudo é possível. Há um perigo ali. Não devíamos arriscar sem necessidade", sublinhou.
Apoiante da campanha de desobediência civil promovida pelo movimento "Occupy Central", e participante nos protestos, Joseph Zen, 82 anos, assume-se "incrédulo" com a forma como as autoridades do governo de Hong Kong têm lidado com os protestos que duram há três semanas e que passaram para as bocas do mundo desde 28 de setembro, quando a polícia usou gás lacrimogéneo contra os manifestantes, na sua maioria estudantes.
"O maior erro [do governo de Hong Kong] foi ter desprezado as inúmeras vozes que se começaram a insurgir há bastante tempo", avaliou. O Executivo de Leung Chun-ying, também conhecido por CY Leung, "não teve em conta os promotores de "Occupy Central": isso foi o início de tudo", reiterou.
A forma "tonta" como lidaram com os estudantes foi, na opinião do bispo emérito, o segundo erro: "Os estudantes iniciaram algo que, de forma nenhuma, pode ser acusado por lei. Foi ridículo deterem-nos e manterem-nos sob custódia durante mais de 40 horas".
"E o último erro foi usar gás lacrimogéneo. É incrível. Erro após erro, eles são responsáveis pela situação atual", sustentou, ao frisar que a população aguarda até à data um pedido de desculpas.
Para o líder religioso que, entre 1989 e 1996, esteve no interior da China a lecionar em seminários a começar por Xangai, onde nasceu, "neste momento, não são as autoridades de Pequim que devem pedir desculpa, mas as de Hong Kong porque fizeram uma consulta pública [sobre a reforma política] enganosa".
"O primeiro passo foi errado. Agora têm de voltar atrás e fazê-lo novamente de forma correta. Este é um pedido razoável. O governo de Hong Kong deve pedir desculpas porque não foi objetivo", defendeu, ao afirmar que "é melhor desafiar a autoridade em Hong Kong do que em Pequim".
"A decisão final vem do governo central, mas é preciso ver a forma de apresentar as coisas", vincou.
Joseph Zen é especialmente duro com a 'número dois' do Executivo da Região Especial Administrativa Chinesa, Carrie Lam. "Ela insiste que não podemos passar por cima da decisão de Pequim, mas ela é inteligente e devia fornecer ao governo central um relatório adicional sobre a consulta pública".
Por outro lado, acusa a "falta de vontade sincera" dos governantes em reunirem com os representantes da Federação de Estudantes, apontando que a secretária-chefe usou uma estratégia muito "ardilosa" quando negou o início do diálogo.
"Ela veio dizer que agora eram poucas pessoas vêm apoiar os estudantes. Estou certo que ela percebe que ao afirmar isto está a encorajar mais pessoas a saírem à rua, o que pode arrastar a situação por muito mais tempo", adiantou.
Já sobre as hipóteses reais de demissão de CY Leung, o bispo emérito de Hong Kong diz que "todo o poder" está nas mãos de Pequim e que vai depender se o governo central considera conveniente o seu despedimento ou o seu uso.
"Mas, certamente, CY Leung não é capaz de governar Hong Kong. E se Pequim lhe permitir continuar ele vai ser um fardo para eles", realçou.
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