Filipe Araújo. “Herdeiro de Rui Moreira”, “engenheiro tecnocrata”, “geek do ambiente”. Temos candidato à Câmara do Porto em 2025?
Francisco Graça
“Onde quer fazer a entrevista?”. “Parque da Cidade. Depois de três semanas de chuva, precisamos é do Parque da Cidade”. A resposta imediata de Filipe Araújo poderia parecer estranha a um homem formado em engenharia eletrotécnica, com currículo na casa das máquinas de companhias tecnológicas e sempre junto à digitalização. Mas o percurso do vereador na Câmara do Porto ligou-se ao ambiente, apaixonou-se pelos parques e jardins da cidade. Aponta facilmente para as charcas do maior parque urbano português e explica os lençóis freáticos, os canais subterrâneos que se interligam, as aves que sobrevoam os lagos.
Filipe Araújo tem 46 anos, é vice-presidente da Câmara Municipal do Porto, fiel escudeiro de Rui Moreira, vereador do pelouro do Ambiente e Transição Climática e da Inovação e Transição Digital. A partir deste sábado, passa também a ser o presidente da associação cívica “Porto, o Nosso Movimento”, o 'braço-armado' da política independente da cidade, criado a 6 de dezembro de 2017, por um grupo de cidadãos que deu a vitória a Moreira nas autárquicas daquele ano.
Araújo é uma figura pouco conhecida do grande público, mais habituado ao trabalho 'de sapa' do que a manifestos eleitorais ou às grandes afirmações políticas. Mas 2025 fecha o ciclo de Rui Moreira, e já há quem conte, discretamente, as espingardas.
Filipe Araújo nasceu no Porto, filho de pais médicos, em 1976. É casado, tem dois filhos, é licenciado em engenharia eletrotécnica pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto
Uma vida na Boavista, da Rotunda ao Bessa
O Porto era diferente nos anos 90. Filipe Araújo, com 14 anos, passava a vida entre a Sidónio Pais, onde morou desde sempre, e a escola – primeiro o Colégio do Rosário, depois o Garcia de Orta e finalmente o Fontes Pereira de Melo. Ia a pé ou de bicicleta para todo o lado, tinha um grupo de amigos para jogar à bola na rua e usava os ramos das árvores como bancos para conversar. Custa acreditar que uma das principais vias de entrada no Porto permitia descanso de trânsito suficiente para brincadeiras de crianças. “O Porto era diferente nos anos 90”, garante Filipe Araújo. Depois convenceu os pais a comprarem uma Vespa azul, que tem ainda hoje, “bem guardada numa garagem dos pais para não dar más influências aos meus filhos”.
Na escola, decidiu cedo que queria seguir engenharia. E às vezes podia ser exigente. “Apanhei umas valentes secas à espera dele”, ri-se Carlos Fernandes, amigo de infância e colega de carteira no Fontes Pereira de Melo. “Se tirava pior nota, ou tinha uma correção que não compreendia num exame, lá ia ele falar com o professor no final da aula”. Reclamava? “Nunca, não, não. Era muito educado, mas ficava ali a moer. Porquê isto, o que significa aquilo?”. Filipe Araújo lembra-se bem, e diz com ar de gozo. “Sabe que mais? Orgulho-me de poder dizer que consegui subir algumas notas. Não sei é se foi da insistência ou se tinha mesmo razão. O meu filho de 13 anos faz a mesma coisa, mas juro que não fui eu quem lhe ensinou! A minha filha parece mais calma”.
No final do secundário começou a desenvolver o pensamento político, influenciado pela 'década de betão' de Cavaco Silva. Era o dinheiro da CEE a entrar em Portugal, as grandes obras públicas, as autoestradas, as infraestruturas que mudaram o país e o Porto. “Filiei-me nessa altura na JSD. Tinha o meu grupo de amigos, falávamos das mesmas coisas. Não nos considerávamos de direita. Centro-direita talvez”, explica Araújo. “Depois, na faculdade, na FEUP, havia muito a questão de ‘para onde vamos trabalhar?’. A verdade é que havia, se calhar, duas grandes empresas na área. Numa cidade como o Porto, isso era incompreensível”. Foi essa frustração e vontade de debater a cidade que levou Filipa Araújo a participar em comissões políticas, a ser deputado à Assembleia de Freguesia de Ramalde, a juntar-se a “mil e um grupos” de discussão. “Todos nós, daquela geração, queríamos acordar o Porto”.
A vida foi passando, conciliada entre a família, a Telecel (agora Vodafone), e alguns cargos políticos de pouca montra nas estruturas locais do PSD e na Assembleia Municipal. Em 2013, surge Rui Moreira (e Luís Filipe Menezes) na sua vida.
2013: o ano da revolução moreirista
Acaba-se o mandato de Rui Rio, aparece Luís Filipe Menezes vindo de Gaia, e estala a confusão na horda social-democrata. Entre lutas fratricidas, Filipe Araújo desvincula-se do PSD e junta-se a um movimento de cidadãos independentes que patrocinam um candidato bem conhecido da cidade, mas a trilhar os primeiros caminhos na política – o na altura presidente da Associação Comercial do Porto, Rui Moreira.
A campanha autárquica faz-se dura, entalada entre Menezes e Manuel Pizarro, com um empurrão de Rio. A vitória do “Rui Moreira: Porto, o nosso Partido” atira Araújo para o pelouro da Inovação e Ambiente, naquela que seria a primeira experiência num executivo autárquico. Em 2017, após a coligação e divórcio entre os independentes e o PS de Manuel Pizarro, salta para vice-presidente, sucedendo a Guilhermina Rego, herança deixada por Rio e que saíra para assumir a presidência da Administração dos Portos do Douro e Leixões (APDL).
Depois das eleições de 2017, quatro destacados membros do movimento de Rui Moreira – Nuno Santos, Miguel Pereira Leite, Francisco Ramos e Luís Valente de Oliveira – juntam-se ao edil para criar a associação cívica “Porto, o Nosso Movimento”. O objetivo, explica um dos fundadores, era construir um “proto-partido que sustentasse Rui Moreira, mantivesse agregados os eleitores, os apoiantes”. Basicamente, que não deixasse fugir a massa crítica e dinâmica, criar estruturas e bases para nova campanha autárquica em 2021.
Agora fica a dúvida. Há vida para além de Moreira?
Filipe Araújo passa a liderar o Porto, o Nosso Movimento. É considerado o "delfim" de Rui Moreira, o mais provável e forte herdeiro do movimento independente. Mas há espaço para uma candidatura fora dos grandes partidos no pós-Rui Moreira?
O presente e o futuro. O que fica do legado de Moreira em 2025
“Em 2025, Rui Moreira sai da Câmara. É o fim, acabou, caput. O movimento independente haverá de continuar por que motivo?”. Um importante membro do Porto, o Nosso Movimento fala assim do final anunciado da associação cívica. Um dos fundadores, ao Porto Canal, concorda: “É uma incógnita. O movimento era uma extensão do Rui, começava e acabava na Câmara. Sem Rui, é preciso uma refundação. Com um grande problema – a associação foi criada por pessoas do PSD, CDS, IL e mesmo PS. Com a limitação de mandatos do Rui, vai ser uma luta enorme pela Câmara, vem o Pizarro, o Rangel. Essas pessoas vão querer apoiar os seus”.
Francisco Ramos, presidente cessante do movimento, não podia estar mais em desacordo. “Abre-se um novo ciclo, sim. Mas a equipa que sempre serviu de escudo político a Rui Moreira acredita que faz todo o sentido preparar o movimento para sobreviver e continuar após 2025”.
Este sábado foi dia de reforço de poderes de Filipe Araújo. Com os vereadores Pedro Baganha e Catarina Araújo a seu lado, o vice de Moreira sobe à presidência do movimento e fica com o futuro dos independentes nas mãos. E o futuro não passa, certamente, por falecer em sossego.
“Temos feito, e vamos continuar a fazer, muito pela discussão da cidade”, começa Filipe Araújo, antes de enumerar “ciclos de discussão, debates, como dinamizar ruas, empresas, obras essenciais, luta pelos direitos dos movimentos independentes, revolta contra uma descentralização injusta”. “Conseguimos passar à margem das clássicas discussões esquerda-direita, sobrevivemos bem sem ser em ciclo eleitoral”.
Filipe Araújo, é cada vez mais claro, goza de estatuto invulgar dentro do movimento de Rui Moreira. É visto como correto, honesto, muito preparado, um “geek do ambiente” e genuinamente preocupado com a qualidade de vida da cidade. Mas pode faltar "músculo político"
Mas Rui Moreira há só um, e os portuenses fariam sentir o desconforto se alguém quisesse aproveitar a imagem política do autarca. “Pelo contrário”, argumenta Araújo, “existe uma associação que dá corpo ao capital político que fomos construindo ao longo dos últimos anos. Seria muito estranho que ao fim destes anos em que nos dedicámos à cidade, quando os portuenses votaram em nós massivamente, simplesmente cumprimentássemos as pessoas, passar bem e adeus. A associação tem de continuar a ter ambição para o futuro, tem de continuar com uma ideia para a cidade”.
Isso significa que Filipe Araújo é candidato às autárquicas de 2025? “Não é saudável pensar nisso quando ainda faltam três anos”, rejeita Francisco Ramos. “É uma conversa extemporânea”, concorda Araújo. “Tanta coisa pode acontecer, não faz sentido começar uma campanha agora. O que eu posso dizer, enquanto novo presidente do Porto, o Nosso Movimento, é que vou preparar a associação para o embate duríssimo de 2025”.
Filipe Araújo tem calo político para ser “presidenciável”?
“O Filipe? Sempre tão reservado, tão pouco expansivo… É um ótimo profissional, mas falta músculo político”. Quem o diz é um colaborador direto de Araújo, que trabalhou intimamente com o novo presidente do Porto, o Nosso Movimento nas campanhas de 2013 e 2017. “É uma pessoa muito importante para Rui Moreira, mas tem pouco reconhecimento público”.
“Trouxe à Câmara um certo espírito empresarial que faltava. É um fazedor”, analisa Nuno Santos, fundador da associação cívica e antigo chefe de gabinete de Moreira. “Criou soluções inovadoras, mesmo. Tem todo o mérito como tecnocrata. Mas tem rasgo político? Duvido.”
Um outro destacado membro do movimento independente é mais ácido. “Sejamos realistas, a água não passa duas vezes por baixo da mesma ponte. Não existe um Rui Moreira 2.0. Filipe Araújo é sério, um belíssimo técnico, mas não tem qualquer hipótese contra Manuel Pizarro e Paulo Rangel, que eu acredito que vão ser os candidatos fortes de PS e PSD”.
Filipe Araújo — é cada vez mais claro — goza de um estatuto invulgar dentro do movimento de Rui Moreira. É visto como correto, honesto, muito preparado, um “geek do ambiente” e genuinamente preocupado com a qualidade de vida da cidade. Esteve pessoalmente envolvido na revolução da gestão dos resíduos sólidos urbanos do Porto e no projeto de reciclagem, foi com ele que se reabilitou o parque de São Roque, se criou o parque da Asprela e se concluiu a última fase do Parque da Cidade. Foi o próprio que insistiu na substituição total da frota municipal por carros elétricos. Mas parece ser difícil encontrar, entre colegas ou opositores, quem lhe gabe os discursos, o carisma ou a intuição política. “É um ótimo vereador, penso que seria um presidente sofrível”, resume um membro do movimento independente.
Segurar um movimento independente que sempre foi composto por membros com filiações ao PS e PSD é o maior desafio de Filipe Araújo. É preciso preparar as autárquicas de 2025 sem deixar fugir "militantes"
Aproxima-se o fim do ciclo autárquico e no PS e no PSD os motores começam a ligar-se. 2025 vai ser o ano de todos os esforços: em privado, Manuel Pizarro não esconde que seria capaz de deixar o Ministério da Saúde e regressar ao Porto, e há ainda João Pedro Matos Fernandes à espreita, que embora negue a pretensão de se candidatar, tem peso político, apoio partidário e reconhecimento público. Paulo Rangel, na fação laranja, teria o apoio de Luís Montenegro e a gravitas de ser professor universitário, jurista respeitado, cabeça de cartaz social-democrata e de ter anos de experiência como eurodeputado. No meio destes nomes, a chama de Filipe Araújo, por enquanto, ainda brilha com menos intensidade. A não ser que Rui Moreira decida lançar a cartada “Costa-Medina” e abandone a Câmara antes do fim do mandato.
“Moreira não vai fazer este mandato até ao fim, essa é a minha convicção quase a 100%”, assegura um antigo capo do movimento independente. “Ficará o Filipe como incumbente para ganhar calo e conhecimento público para ser candidato. Acredito nisto”.
A três anos de distância, as cartas já estão à mostra. Filipe Araújo vai forçar para se posicionar ao centro e fixar eleitorado independente, de modo a evitar perdas para PS e, sobretudo, PSD. Rangel sempre teve uma costela liberal e pode agradar à IL, cujo apoio aos independentes, até agora certo, não pode ser dado como garantido em 2025. Uma solução que junte sociais-democratas e liberais não pode ser excluída, e mesmo uma candidatura a solo da Iniciativa Liberal, encabeçada por Ricardo Valente, pode estar em cima da mesa. À esquerda, estará a aposta com que o PS tentará recuperar a câmara, perdida em 2001. Resta ver como Filipe Araújo criará o seu próprio espaço. No entretanto, há que agrupar a associação cívica e explicar à forte franja social-democrata porque faz mais sentido permanecer “independente” do que laranja.