Hong Kong: Um território, dois taxistas, direcções opostas
Porto Canal
A bordo dos táxis de Hong Kong, os protestos seguem a diferentes velocidades e tarifas distintas. Dois sexagenários, feitos taxistas já na reforma, serpenteiam as mesmas avenidas com o volante em direções opostas.
"Apoio os protestos, mas não totalmente. Estou muito confuso. Não sei por que razão se tentam opor ao governo e lutar para conseguir um sistema que eles gostam", diz Choi à agência Lusa.
"O mais importante é que se os pedidos dos manifestantes não estão de acordo com a Lei Básica [miniconstituição] de Hong Kong, o governo central chinês não vai permitir nenhuma alteração", realça o aposentado no ativo.
Taxista há pouco mais de um ano, Choi tomou a decisão de assumir o volante dos carros de praça encarnados depois de quatro anos em Inglaterra a ajudar o filho nos estudos, conta à Lusa enquanto cumpre o trajeto entre os distritos de ´Central' e ´Eastern', na Ilha de Hong Kong.
Voz ponderada e condução segura, o reformado soma quilómetros à reflexão: "Agora são os cidadãos que estão a sofrer as dores. Os manifestantes deviam tentar alterar a posição do governo de uma forma que não afetasse tanto a vida quotidiana das pessoas. Era melhor assim".
No embalo da viagem, Choi interrompe a conversa e aponta os guarda-chuvas que agora formam barricadas e cortam o trânsito no coração financeiro e comercial da metrópole asiática. A descrição segue em inglês [a segunda língua oficial do território], sendo por vezes auxiliada pelo cantonense [falado em Hong Kong, Macau, e também na província chinesa de Cantão] para precisar os nomes de algumas áreas ocupadas, como Mong Kok, na península de Kowloon.
Os vinte minutos de trajeto, sob o trânsito fluido de domingo, dão também para o taxista de Hong Kong fazer contas à vida: "Desde o início da ocupação das ruas, perdi mais de 40% do negócio que era normal fazer em duas semanas".
Sentido inverso, os mesmos 14 quilómetros, outra abordagem matemática ao problema dos protestos: "Sempre que o metropolitano já está fechado, dou-lhes boleia para casa sem cobrar nada", diz Lau Moon Wing.
Taxista desde 2009, quando deu por finda a carreira de professor do ensino secundário, Lau Moon Wing revela que começou a operação gratuita logo na madrugada de 29 de setembro.
"Numa noite fiz quatro viagens a custo zero, mas um deles insistiu em pagar e acabou por me atirar-me o dinheiro para dentro do táxi", recorda, ao passar por Admiralty, zona junto à sede do governo, epicentro dos protestos, e um dos locais ?ocupados' pelos manifestantes.
Sensibilizado pela iniciativa dos jovens, o antigo professor de Design e Tecnologias justifica o seu contributo para o movimento pró-democracia em Hong Kong: "Eles são jovens e estão nas ruas, eu sou mais velho e esta é a minha forma de ajudar".
Para melhor ilustrar a sua perspetiva sobre os acontecimentos, Lau Moon Wing compara a relação do governo com os estudantes à ação esperada de uma qualquer família: "Se o teu bebé está a chorar, deves descobrir por que é que ele está a chorar. Talvez ele tenha fome, talvez ele queira ir à casa de banho".
"Se não queres saber o porquê do teu filho chorar e só lhe bates, achas que ele vai deixar de chorar?", remata o eloquente taxista, numa retórica emocionada, qual professor a querer conquistar uma plateia de alunos.
Do banco de trás não se ouve resposta. O taxímetro marca 107 dólares de Hong Kong (cerca de 10 euros). Desta vez a conta é paga.