“Quero o Siza a rever e a atualizar o projeto da Avenida da Ponte”. Porto relança o debate e quer mais habitação no centro da cidade
Ana Francisca Gomes
Pedro Baganha, vereador na Câmara Municipal do Porto, revelou querer que seja o arquiteto Álvaro Siza a retomar o projeto da Avenida da Ponte, para onde já apresentou dois planos, em 1968 e 2000. A ideia é fazer uma atualização para que projeto contemple a construção de mais habitação. O custo da operação pode chegar aos 70 milhões de euros e o autarca mostra-se disponível para aprovar um loteamento municipal para garantir que se cumprem alguns princípios urbanísticos já apresentados.
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“Faço aqui um compromisso político de que tentarei arranjar forma de fazer o convite ao Álvaro Siza [para atualizar o projeto da Avenida da Ponte]. Este é o caminho. Não vale a pena estarmos aqui à procura de uma solução, quando ela já está encontrada”. A garantia foi dada pelo vereador que acumula os pelouros da Habitação, Urbanismo e Espaço Público, num debate promovido pela Fundação de Serralves esta segunda-feira.
Numa conversa moderada pelo arquiteto e curador António Choupina, que juntou o autarca aos arquitetos Álvaro Siza e Carlos Martins, foi feita uma viagem pela história de uma das feridas mais antigas da cidade do Porto.
Demolições para a abertura da Avenida Dom Afonso Henriques.
Primeiro no final dos anos 1930, a mando da Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN), e depois no final dos anos 1940, para que fosse aberta a Avenida Dom Afonso Henriques, foram efetuadas um conjunto de demolições junto à Sé.
Acabou por aí ficar um vazio urbano em torno da via que se abriu para ligar o tabuleiro superior da Ponte Luís I a São Bento. Muitos arquitetos desenharam planos para preencher aquele rasgão, incluindo Fernando Távora e Álvaro Siza, que foi autor de um primeiro plano em 1968 e outro em 2000, no âmbito do Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura. Mas todos os planos ficaram na gaveta.
Junto à Sé é possível ver-se um vazio de construção, pouco comum nos centros das cidades.
Esta segunda-feira, o primeiro Pritzker português recordou como em 1968, na primeira vez que abordou o assunto, estudou mais de 40 projetos já feitos e reprovados para aquela zona - fruto da sua complexidade urbanística. E não temeu ser honesto: “Quando percebi que tinha sido convidado para uma sessão pública sobre este tema, pensei em telefonar a dizer que não vinha. O que me custa é a ideia de discutir a ideia de Avenida da Ponte. É que já fiz duas e não concretizei nenhuma”.
Necessidade de fixar habitantes no centro
Mas porquê abordar agora um problema tão antigo da cidade? O que mudou? “Perdeu-se o foco em olhar para a Avenida da Ponte, porque a autarquia tinha outros problemas”, esclarece Pedro Baganha, que explica que quando foi eleito em 2017 como vereador do segundo mandato de Rui Moreira um dos principais problemas que herdou foi um Centro Histórico com uma grande percentagem de edifícios abandonados.
“Neste território já não temos ausência de investimento, agora temos é um desequilíbrio de funções. E isto é uma oportunidade de termos construção nova no Bairro da Sé. Precisamos de repopular o centro da cidade”.
Em 2001, foi entregue um plano bastante específico a Siza Vieira a propósito da Porto Capital Europeia da Cultura 2001 que previa que o arquiteto inserisse no seu segundo projeto para a Avenida da Ponte um grande Museu da Cidade e um parque de estacionamento. Não só o conceito deste museu se alterou, como a construção de uma estação de metro com uma saída para a avenida em 2005 alterou o paradigma de mobilidade da zona.
À luz dos dias de hoje, por isso, há consenso entre arquitetos e urbanistas que o plano deve ajudar a colmatar a falta de habitação. E para a Câmara do Porto isso também está claro.
“Acho que com a arte do Siza não é difícil adaptar o projeto às novas premissas que se aplicam àquele território: que é a necessidade de mais habitação”, diz Pedro Baganha em declarações ao Porto Canal. O vereador ressalva ainda que o problema com o projeto de 2001 é o programa que foi entregue a Siza: “Aquele museu com aquela volumetria era irrealizável. Ainda assim, o partido urbanístico escolhido pelo arquiteto, do meu ponto de vista, é o indicado para este território. A forma como é reposto este tecido, a escala dos arruamentos, a reposição da integridade perdida com as demolições da década de 40”.
Loteamento municipal pode ‘proteger’ o plano
Mas com as próximas eleições autárquicas a realizarem-se já no próximo ano de 2025, como é que se garante que a vontade de se avançar com as visões de Siza para a Avenida da Ponte não se vai perder entre executivos, como outrora aconteceu com os planos desenhados? “Não há forma de se garantir. Essa é a beleza e a tragédia da democracia”.
“Mas este projeto do Siza tem 24 anos, tem tempo, tem maturidade da discussão e reflexão nas forças vivas da cidade que me parecem garantir que a melhor solução para este território, independentemente do presidente da câmara ou do executivo, é voltarmos a estas premissas”, ressalva o autarca.
Álvaro Siza com fotos dos seus planos.
Uma solução, considera Baganha, é avançar-se para a aprovação de um loteamento municipal, de forma a estabelecer regras urbanísticas para aquele território. Mas o tempo aperta, já que o seu mandato acaba para o ano. Até lá, ficam duas promessas: a de conseguir este loteamento e a de endereçar um convite a Álvaro Siza para retomar o projeto.
“Sinto-me completamente legitimado para contratar o arquiteto para atualizar este projeto, assim que o consiga fazer. A dificuldade aqui é o enquadramento legal da contratação pública em Portugal que é um inferno. E é um inferno que chega a este paradoxo: eu tenho um autor que é multi premiado e reconhecido em todo o planeta, que fez um estudo que é quase unanimemente reconhecido na classe dos arquitetos como sendo o indicado, e mesmo assim debato-me com problemas para contratar o autor deste projeto para o reformular”, lamenta.
Esta é uma operação urbanística que poderá ter um custo entre 60 a 70 milhões de euros, segundo as estimativas do vereador.
Pedro Baganha acumula desde 2017 os pelouros da Habitação e do Urbanismo e Espaço Público.
Mercado de São Sebastião encerrou há quase um ano
Foi já há quase um ano, a 24 de julho, que o executivo municipal aprovou por maioria o encerramento do Mercado de São Sebastião, junto à Sé, e que o presidente Rui Moreira comunicou aos jornalistas que havia chegado a hora de se pensar sobre o futuro do edifício. O debate chegou a uma conclusão: “O destino do equipamento vai ser a sua demolição”, avançou já em novembro Pedro Baganha, vereador com o pelouro do Urbanismo e Espaço Público, em entrevista ao Porto Canal.
A data apontada para o arranque dos trabalhos era o início de 2023, mas o mercado ainda não começou a ser demolido.
“O projeto de demolição se não está terminado, está prestes a terminar. E a nossa expectativa é que até ao final do ano vamos lançar o concurso da empreitada, porque uma demolição também é uma empreitada", dá conta o vereador.
Após a demolição, o espaço público vai ser alvo de “um arranjo que permita outros futuros neste território, designadamente aquilo que eu pessoalmente defenderei sempre que é retomar o projeto do Álvaro Siza com as devidas adaptações 24 anos depois da sua elaboração”.
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