Álvaro Siza e a “maldição da Avenida da Ponte”, a sua grande angústia
Ana Francisca Gomes
Álvaro Siza não acredita que volte a ser contactado para retomar o projeto da Avenida da Ponte, para onde já apresentou dois planos, em 1968 e 2000. Quem o conhece garante que esta é a sua grande angústia no plano profissional. Já o arquiteto, de 90 anos, considera que há “novos arquitetos” com talento para repensar os destinos daquele vazio urbano no centro do Porto.
No número 53 da rua do Aleixo, as paredes do atelier estão preenchidas de fotos aéreas, de plantas e de desenhos de novos projetos. O assunto que nos traz até lá, contudo, não é novo.
Arquiteto Álvaro Siza Vieira e fotografias de maquetas dos seus planos para a Avenida da Ponte.
Porto Canal: O arquiteto acha que o encerramento do Mercado de São Sebastião pode voltar a abrir a discussão sobre o que fazer na Avenida da Ponte?
Álvaro Siza: A discussão já está feita. Eu procuro tentar esquecer o tema da Avenida da Ponte, vem agora lembrar-me…
Em 1948, começou a demolição de uma significativa parte do casario da freguesia da Sé para abrir uma ligação que permitisse a ligação direta do tabuleiro superior da Ponte Luiz I, então a porta de entrada da cidade para o trânsito rodoviário, e a Avenida dos Aliados. Muitos arquitetos foram convidados a desenhar um projeto para conseguir fazer esta ligação, mas a topografia complicou os desenhos e acabou por se desenhar a direito uma avenida entre a ponte e a Praça Almeida Garrett, em frente à Estação de S. Bento, arrasando todas as casas pelo caminho. Nasceu assim a Avenida Dom Afonso Henriques, conhecida popularmente no Porto como Avenida da Ponte.
A construção da Avenida acabou por separar a freguesia da Sé do resto da cidade. E isso percebe-se quando comparamos a dinâmica de reabilitação presente na baixa face à estagnação desta freguesia, do ponto de vista do desenvolvimento urbano. “Essa é a maldição da Avenida da Ponte!”, alerta Siza.
Para preencher a ‘cratera’ sem edificado deixada pelas demolições, foram apresentados vários projetos. Álvaro Siza é responsável por dois dos planos. O primeiro desenho é de 1968 e previa a construção de uma praça interior, um auditório, áreas de serviço e um edifício de habitação. Mais tarde, no contexto da Porto 2001, o arquiteto refez o projeto, que desta vez previa a criação de um Museu da Cidade, uma livraria municipal, um parque de estacionamento, algumas lojas e 48 habitações. Mas os planos nunca chegaram a sair do papel.
“A discussão sobre o que fazer na Avenida da Ponte já está feita. Parece-me que é ponto assente entre as várias entidades de que deve haver habitação ali”, explica o primeiro Pritzker português.
A discussão já foi feita, sim. Várias vezes e ao longo de vários anos. Mas nunca nada foi feito, nem há um projeto definido para ser levado a cabo. “A Avenida da Ponte está um desastre, no fundo. Não tem sentido nenhum”, lamenta.
Recentemente, em 2019, Nuno Grande projetou um edifício no arranque da Avenida, junto à Estação de São Bento. Essa construção foi projetada com o plano do Siza em mente, que também propunha um edifício com a mesma implantação, para colmatar a pedreira e fazer o remate com a rua do Loureiro.
“O que está a acontecer na Avenida da Ponte é … fragmentado. Fez-se realmente este [referindo-se ao projeto de Nuno Grande], mas não há uma ideia de conjunto para isto, de maneira que não prevejo nada de bom”, alerta o arquiteto, que lembra ainda que desde o seu último projeto já se passaram 22 anos sem ser pensada aquela zona da cidade.
“Não tenho tempo”
Entre o plano de 1968 e aquele desenhado para a Capital Europeia da Cultura (2001), o arquiteto faz uma leitura diferente da cidade. “Já era completamente diferente. Embora do ponto de vista do programa não me agradasse a construção do Museu da Cidade. E disse-o, mas a câmara aí foi inabalável, não desistiu. A ideia de haver um Museu da Cidade é ótima, é fundamental. Mas, na altura, fazer isso na Avenida da Ponte e com uma dimensão significativa ...”. Para Siza, o Museu da Cidade tinha uma dimensão exagerada.
Apesar de já na altura não concordar com a totalidade do programa indicado pela câmara, Álvaro Siza considera que há princípios do plano de 2001 que ainda fariam sentido nos dias de hoje. Princípios esses que considera que deveriam agora ser compatibilizados com o desígnio de fazer mais habitação na área central da cidade.
Questionado sobre se estaria disponível para desenhar um novo plano, o arquiteto é muito rápido a eliminar a dúvida: “Não tenho tempo!”. Mas e vontade? “A vontade aqui é secundária, o problema é que eu já estou velho, pronto. E, portanto, qualquer dia vou de férias.”
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Álvaro Siza não acredita que lhe vão ligar para recuperar os planos que fez e relembra que “há uma nova geração de arquitetos com qualidade” para lhe sucederem no desenho da cidade. “Não será necessário recorrer a um idoso.”
“Eu acho que a Avenida da Ponte não me dá sorte. Ou eu não dou sorte à Avenida da Ponte”, diz, entre risos.