Com IEFP em silêncio, empresas deixam CACE pelo próprio pé

Com IEFP em silêncio, empresas deixam CACE pelo próprio pé
| Porto
Ana Francisca Gomes

O Instituto do Emprego e Formação Profissional voltou a não notificar os empresários instalados no CACE Cultural do Porto para abandonarem os espaços. Sem respostas, os empresários sentem-se “deixados na mão” e muitos já encontraram novas lojas. Ao longo dos últimos 20 anos, o organismo do Estado acolheu e apoiou vários negócios instalados no Freixo através de “recursos vários de excepcionalidades”.

O movimento no CACE Cultural do Porto, na rua do Freixo, não é o mesmo que caracterizava o espaço há uns anos. Se outrora esta incubadora do IEFP encheu aqueles terrenos municipais de jovens empresas do setor cultural no arranque da sua atividade, hoje a maioria dos espaços está vazio. Em causa está o futuro incerto e a falta de respostas do IEFP, que gere o espaço.

A primeira “bomba” caiu entre janeiro e fevereiro de 2023, quando o instituto informou pela primeira vez, em reuniões informais, que os vários negócios deveriam abandonar os espaços até 31 de maio do mesmo ano, apesar de terem contratos de arrendamento ainda a decorrer. Chegada a data de saída: nada. Os trabalhadores garantiram à época que não tinham recebido qualquer notificação oficial. Mais tarde, o IEFP avançou ao Porto Canal que, afinal, os espaços só tinham de ser abandonados até 31 de dezembro. Mas mais uma vez: nada.

Os empresários voltaram a não ser notificados formalmente para saírem do CACE, confirmaram representantes da Lightbox e da MOYO - Decoração de Interiores. A Delegação Regional do Norte e o Gabinete de Comunicação do IEFP, sediado em Lisboa, escusaram-se a prestar esclarecimentos ao Porto Canal.

No CACE, as lojas já estão quase todas vazias. À exceção do Teatro Experimental do Porto (TEP) e a CRL - Central Elétrica (também conhecida como Circolando), que têm autorização camarária para permanecerem no espaço, apenas três lojas mantêm porta aberta: a LightBox, a MOYO e Atelier de Percussão do Porto.

Porto Canal

Um representante de um dos espaços, que não quis ser identificado, lamentou que o IEFP não esteja a dar qualquer resposta às dúvidas dos empresários, que se sentem “deixados na mão”. O motivo, acredita, é a tentativa do instituto de “não levantar ondas” sobre o que se passa no espaço.

 

Empresas “beneficiadas”, faturas perdidas e contas por pagar

Mas que ondas? Tal como avançou o Porto Canal, uma auditoria interna do Instituto do Emprego ‘desenterrou’ um conjunto de irregularidades na permanência e nos apoios dados a cada uma das empresas, que foram sendo “grandemente beneficiadas” através de “recursos vários de excepcionalidades” e que não conseguiram cumprir o principal objetivo deste espaço - o de gerar emprego.

Os Centros de Apoio à Criação de Emprego (CACE) foram criados pelo IEFP para ajudar empresas durante os seus primeiros três anos de vida. Mas apenas uma das dez empresas que fazem parte do CACE Cultural do Porto, que se instalou nos terrenos da Antiga Central Elétrica da EDP, em Campanhã, em 2003, ainda se encontrava na fase embrionária no ano de 2023. As restantes nove já há muito que usufruem deste local “protegido” da concorrência, usufruindo das benesses que ele oferece, ainda que já estejam numa fase consolidada da sua atividade económica.

Dita o regulamento do CACE que os contratos celebrados com as empresas deveriam ser a título de comodato [um contrato que serve para alguém ‘emprestar’ algo com valor material a outra pessoa] e previam o pagamento despesas de manutenção e conservação. Contudo, não foi isso que aconteceu quando, em 2004, as empresas começaram a ‘aterrar’ no Freixo.

Usando como justificação algumas obras que ainda não tinham sido totalmente concluídas, o IEFP assinou contratos-promessa de comodato com os novos inquilinos. O ‘senão’ destes contratos é que, enquanto não fossem celebrados os acordos definitivos, as empresas não eram “obrigadas ao pagamento dos encargos estipulados no regulamento do CACE”. A situação foi-se arrastando e a equipa auditora verificou que em 2015 o IEFP ainda assinava contratos-promessa … o que “resultou num elevado prejuízo para o IEFP, I.P. por dispensar empresas dos pagamentos devidos, durante um período elevado de tempo”.

Mas mesmo nos contratos-promessa, o IEFP deveria ter previsto o pagamento de uma ‘renda’... Existem, no entanto, evidências que com algumas empresas o IEFP assinou estes contratos sem ficar prevista “qualquer contrapartida financeira” para os novos investidores.

IEFP financiou obras de requalificação e câmara instou-o a abandonar o espaço antes do tempo

Os terrenos da Antiga Central Eléctrica da EDP, onde hoje se encontra o CACE, foram cedidos pela Câmara do Porto ao IEFP em 2003, sendo que cabia ao instituto a responsabilidade pelas obras que o espaço necessitava.

O IEFP efetivamente financiou as obras de três lotes … mas não usufruiu do tempo que tinha para lá ficar e nem se sabe quanto gastou. O contrato-promessa de comodato, assinado em fevereiro de 2003 entre o instituto e o município, formalizou a promessa de cedência dos terrenos. Neste documento, a que o Porto Canal teve acesso, a câmara prometeu ceder, após a assinatura do contrato definitivo, os terrenos ao IEFP durante, pelo menos, 30 anos (o que lhe permitiria ficar no espaço até 2033) e com a possibilidade do limite máximo ser até 60 anos (o correspondente a 2063).

Contudo, segundo a auditoria, no ano de 2018, a Câmara do Porto instou o IEFP a abandonar dois lotes para aí instalar uma extensão do Museu da Indústria. A câmara do Porto permitiu que num desses lotes (que estavam ocupados com serviços de gestão do IEFP) se fixasse o Teatro Experimental do Porto (TEP).

E ainda no ano de 2022 a Câmara notificou o IEFP para proceder à desocupação e entrega voluntárias do edifício onde se encontram as empresas que estava a apoiar.

E relativamente aos custos destas obras, a equipa auditora não conseguiu encontrar evidências da quantidade de dinheiro que o IEFP investiu. Num protocolo assinado em 2001 ficou estabelecido um montante máximo de 120 mil contos (cerca de 600 mil euros) para as obras de adaptação necessárias. Não existem, contudo, registos do dinheiro. O então diretor do CACE esclareceu que esta verba foi “paga por transferência para uma empresa municipal que efetuou a obra”.

 

Um contrato que nunca existiu

Ainda assim, não ficam por aqui as ‘confusões’ inerentes ao processo de instalação. O Porto Canal pediu acesso ao documento que formalizou a cedência de terrenos da câmara para o instituto. O IEFP facultou apenas um contrato-promessa assinado em 2003 … porque a assinatura do contrato definitivo nunca chegou a ver a luz do dia.

Segundo o contrato-promessa, o contrato definitivo só viria a ser celebrado “no prazo de 30 dias” a contar da data em que o município conseguisse adquirir o lote onde está o CACE, que na altura pertencia à EDP. Mas isso não foi impeditivo para a Câmara do Porto e para o Instituto do Emprego, que permitiram que as empresas se instalassem nesse mesmo lote embora ainda não tivesse ingressado no património municipal.

Este assunto, escreve a equipa auditora, “foi várias vezes colocado ao Município do Porto, sendo que o último documento que consta do processo. datado de abril de 2014, refere que a ‘formalização do contrato-promessa de comodato ocorrerá aquando da emissão do alvará de loteamento, o que até à data não aconteceu’”.

Aquele terreno já é património da câmara desde, pelo menos, 2021. Nesse ano, o Município do Porto enviou ao IEFP uma “proposta de Protocolo” onde diz ser o “legítimo proprietário” da parcela daqueles terrenos em Campanhã que correspondem ao CACE. Assim, terá ficado “resolvido” o “constrangimento existente e que, aparentemente, conduziu à situação da existência dos contratos promessa”.

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