Álvaro Siza: “Choca-me é se o Mercado de São Sebastião não for demolido”

Álvaro Siza: “Choca-me é se o Mercado de São Sebastião não for demolido”
Foto: Pedro Benjamim | Porto Canal
| Porto
Ana Francisca Gomes

Álvaro Siza considera que seria um “choque” se o destino do Mercado de São Sebastião, na Sé do Porto, não passasse pela demolição do edifício. Para o arquiteto que já desenhou dois planos para a Avenida da Ponte, o mercado não deveria ter sido feito naquela zona, para onde aponta a necessidade da construção de mais habitação.

Foi no final de julho que o executivo da Câmara Municipal do Porto aprovou o encerramento definitivo do mercado e a atribuição de uma indemnização às cinco comerciantes que lá trabalhavam. O edifício municipal, cuja demolição a autarquia confirmou em exclusivo ao Porto Canal, esteve sem uso nos últimos três meses.

Mas ainda antes de o destino do edifício ser tornado público, no número 53 da rua do Aleixo já o arquiteto Álvaro Siza Vieira antevia o futuro. “A mim choca-me é se [o mercado] não for demolido”, afirmou em entrevista ao Porto Canal.

 
 
 
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Num recuo até aos anos 80, o primeiro pritzker português partilhou que chegou a ser convidado para desenhar o projeto, mas um estudo da envolvência rapidamente o fez perceber que não era o indicado para o local. Porquê? “Porque fica mal, como está à vista. E, sendo aquilo a avenida de entrada na cidade desde o século XIX, não é um mercado que se devia pôr ali. Devia haver um contínuo construído. Eu disse ‘não faço, não concordo’. E chamaram outro arquiteto e fizeram, e o resultado está à vista, há muitos anos”.

O mercado mantinha-se aberto nas manhãs de terça a sábado, mas poucos eram os visitantes nos últimos anos. Às cinco comerciantes que por lá resistiam valia-lhes algumas freguesas amigas e um ou outro turista curioso.

A estrutura física, como hoje a vemos, foi projetada pelo arquiteto António Moura em 1986 e sofreu uma reestruturação em 1995. O mercado junto à Sé, contudo, é bem mais velho do que isso. Aquele que agora conhecemos é, na verdade, herdeiro de um dos mais antigos centros de comércio da cidade do Porto: o antigo Mercado de Levante da Rua Escura. Este mercado ambulante, que ladeava a Sé, estendia-se pela Rua Escura e também pela Rua de S. Sebastião, e nele foram sendo progressivamente instaladas barracas provisórias.

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Hélder Pacheco e Germano Silva no Mercado da Rua Escura, nos anos 80. Foto: Arquivo Municipal do Porto

Um mercado que “nunca quis fazer cidade”

Para o arquitecto Nuno Grande, a explicação para o insucesso deste espaço comercial é simples: “Aquele mercado nunca quis fazer cidade”. Ao contrário do Bolhão, que está inserido na malha urbana da cidade, o Mercado de São Sebastião foi colocado isoladamente naquela zona da Sé.

“Nós podemos atravessar o Mercado do Bolhão sem fazermos compras. É um quarteirão urbano que cria acessibilidades e cria cruzamentos. O Mercado de São Sebastião está um pouco escondido, a cobertura é verde para se disfarçar no meio dos terraços verdes”, explica.

Durante os anos 30 e 40, a Sé do Porto sofreu um conjunto de demolições que deixou aquela zona com espaços abertos sem qualquer edificado. Um vazio urbano que está relacionado com a necessidade da construção de uma via que ligasse o tabuleiro superior da Ponte Luiz I e a Estação de S. Bento. Assim nasceu a Avenida Dom Afonso Henriques, conhecida na cidade como a ‘Avenida da Ponte’.

Ficou ali uma cratera sem qualquer edificado entre a Rua do Corpo da Guarda e a Sé do Porto. O Mercado de São Sebastião surge ali no meio, perdido. Muitos arquitetos desenharam planos para preencher aquele vazio, inclusive Álvaro Siza, que foi autor de um primeiro plano em 1968 e outro em 2000. Nuno Grande explica que o mercado foi posto ali “enquanto não se decidia o que lá fazer”.

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Construção do mercado, durante os anos 80. Foto: Arquivo Histórico Municipal do Porto

Para Manuel Correia Fernandes, antigo vereador com o pelouro do Urbanismo durante o primeiro mandato de Rui Moreira, eleito pelo PS, a desativação deste mercado pode ser “uma oportunidade” para se voltar a falar do que se deve fazer com aquela “ferida” que ficou aberta pelas demolições dos anos 40.

O mais importante, disse o arquiteto ao Porto Canal antes de ser conhecida a decisão da câmara, é que não seja lá feita nenhuma intervenção isolada, mas que se recupere um dos planos feitos para a Avenida da Ponte e que o destino do mercado esteja inserido numa operação maior.

“Aquilo está, como nós sabemos, sem plano. E não havendo um plano de referência, qualquer intervenção corre o risco de não ser boa e estamos a criar uma cultura de ‘casolismo’ - que é uma coisa muito grave do ponto de vista da estruturação das cidades. Uma cultura de caso a caso.”

Correia Fernandes relembra ainda que se foram “colecionando” vários planos para o “problema da Avenida da Ponte”, mas que, ao não ser executado nenhum, “ficou um rasgão, uma ferida que continua aberta”.

 

 
 
 
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Um exemplo de brutalismo na invicta

Na cidade do Porto, o Mercado de São Sebastião é considerado um dos raros exemplos de brutalismo, um estilo arquitetónico em que os edifícios são construídos com desenhos simples, diretos e funcionais. O mercado da Sé está, aliás, identificado numa base de dados online - o portal SOS Brutalism - que sinaliza edifícios brutalistas e perigo de demolição.

Para Magda Seifert, autora do livro “Porto Brutalista”, o mercado é” um objeto de arquitetura absolutamente integrado na topografia da Avenida da Ponte”, mas isso não significa que ainda faça sentido naquele local.

“[A falta de clientes] tem a ver com o facto de haver uma grande deterioração do tecido da população da Sé, uma gentrificação, uma turistificação daquela zona, o que faz com que certos edifícios como um mercado deixe de fazer sentido porque a população também já não precisa deles”.

Apesar de considerar o mercado “uma peça de arquitetura interessante”, a arquitetura reconhece que “não pode existir sem haver uma razão”.

“A musealização do património construído também não é saudável para as próprias cidades, ou seja, quando elas são feitas apenas turistas … não é o suficiente para as cidades viverem. Os tempos devem evoluir, não precisamos de ficar estanques. É normal que os edifícios sejam demolidos e que passem a ser outras coisas.”

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