Prestige. 20 anos depois, a “maré negra” não desaparece da memória dos galegos

Prestige. 20 anos depois, a “maré negra” não desaparece da memória dos galegos
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Henrique Ferreira

Foi há 20 anos. A 13 de novembro de 2002, o Prestige, um petroleiro liberiano com bandeira das Bahamas, sofreu um rombo no casco e ficou encalhado ao largo da Galiza, no norte de Espanha. Seis dias depois acabou por afundar, já partido em dois, libertando grande parte das mais de 77 mil toneladas de combustível que carregava a bordo. O acidente é, ainda hoje, considerado um dos maiores desastres ambientais da história europeia recente.

O navio estava a caminho de Gibraltar depois de ter zarpado do porto de Ventspils, na Letónia. No caminho foi apanhado por uma tempestade que lhe provocou danos irreversíveis. Foi lançado um pedido de socorro que foi respondido pela Marinha espanhola. A reposta foi rebocar o petroleiro para longe da costa, mas o capitão do barco opôs-se à decisão. No ano anterior, o Prestige tinha sido alvo de uma reparação na China, mais tarde considerada “deficiente”. Para os engenheiros navais que analisaram as condições do barco, a estrutura “saiu em piores condições do que quando chegou”.

Duas décadas depois, o Prestige continua presente na vida dos Galegos. Na região não há quem não se lembre da “maré negra” que durante meses manchou as praias e que durante anos impactou a pesca. Na memória, os habitantes têm ainda o cheiro a crude, que dizem ser difícil de esquecer.

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Muxía vive agora serena, depois da "maré negra"

Muxía. Como está a epicentro da tragédia 20 anos depois?

A 3500 metros de profundidade e a 28 milhas da costa da Corunha, o Prestige está agora longe o suficiente para que, na Galiza, se possa respirar de alívio. Mas, as marcas deixadas pelo acidente não desparecem. Em Muxía, a cidade mais afetada pela “maré negra”, as memórias estão por todo o lado.

Um dos pontos de paragem (quase) obrigatória é o restaurante “O Prestige”. Nas paredes as imagens de há 20 anos fazem jus ao nome do estabelecimento. O objetivo é lembrar o passado, até porque apesar da tragédia, a população não tem dúvidas: o acidente acabou por fazer a cidade crescer, mesmo que pelos piores motivos.

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O restaurante "O Prestige" é ponto de paragem obrigatória em Muxía

A pouco mais de um minuto a pé, a lota do peixe é um dos exemplos desse investimento. A requalificação foi prometida pelo governo Espanhol aos muxíenses, como compensação aos pescadores e marisqueiros pelos prejuízos trazidos pelo Prestige. É por lá que passa diariamente Alberto Blanco, Alcade de Muxía no momento do acidente.

Para o antigo autarca, “era melhor se nada tivesse acontecido”, mas a verdade é que “o município ficou dotado de infraestruturas e conhecido mundialmente, o que acabou por atrair mais turismo”.

Da tragédia ao casamento real. Como se “romantizou” o desastre do Prestige

O investimento feito em Muxía e os apoios, que em maior ou menor quantidade, acabaram por chegar aos afetados pelo desastre, não apagam, no entanto, os anos de tormenta vividos pela população.

Quique Morales, jornalista da TV Galiza, conhece bem os medos e os anseios daquela gente. Quando, em 2002, foi destacado para ir para Muxía cobrir o acidente, não imaginava no que viria a transformar-se o Prestige. O repórter tem pena que se tenha “romantizado” uma tragédia ambiental daquela magnitude e admite mesmo ter sido pressionado para não “dramatizar” demasiado aquilo que se estava a passar na costa espanhola.

O jornalista lembra a história dos atuais reis de Espanha, que terão mostrado os primeiros sinais de aproximação durante as operações de limpeza da costa galega. Letizia Ortiz era à data repórter da TVE e foi uma das destacadas para acompanhar a visita do príncipe das Astúrias a Muxía. Dois anos depois, Letícia e Carlos acabam por casar, ficando para sempre a ligação entre os dois associada ao desastre do Prestige.

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Letizia Ortiz, agora Rainha de Espanha, era jornalista da TVE

Para Quique Morales, “não há qualquer problema em contar a história” do casal real, mas “não podemos contar apenas essa parte”. O jornalista lembra que os responsáveis pelo que aconteceu “não tiraram um cêntimo dos seus bolsos para pagar a quem sofreu com o desastre”.

Para que serviram mais de 400 horas de audiências?

O caso Prestige arrastou-se na justiça durante anos. O julgamento só começou em outubro de 2012, tendo terminado nove meses depois, com mais de 400 horas de audiências. Os três arguidos: o capitão do barco, o chefe de máquinas e o ex-diretor geral da Marinha Mercante de Espanha, acabaram absolvidos pelo Tribunal Superior da Galiza.

Só três anos depois, em 2016, o grego Apostolos Mangouras, comandante do navio, acabou condenado, pelo Supremo Tribunal de Justiça de Espanha, a dois anos e nove meses de prisão por desrespeito às autoridades espanholas e por causar um desastre ambiental.

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Apostolos Mangoura, capitão do barco foi o único arguido condenado no caso Prestige

Mas, para a população, o Estado também deveria ter sido responsabilizado. Na lota de Muxía encontramos um antigo responsável da Proteção Civil, que não poupa críticas à atuação do Governo. “Quem decidia tinha que ter dado um murro em cima da mesa e dizer aqui mando eu”, afirma.

Para os galegos, antes e depois do acidente, o Governo Espanhol deveria ter agido de outra maneira. De recordar que a gestão política desta catástrofe por parte do executivo de José Maria Aznar, à data líder do executivo, provocou uma onda de protestos na Galiza e por toda a Espanha. Nessa altura, cerca de 200 mil pessoas manifestaram-se sob o lema “Nunca mais”.

“Foi maravilhoso”. Mais de 300 mil voluntários limparam a costa galega

A mobilização em torno da população e da proteção da costa galega ainda hoje espanta os habitantes de Muxía. A serenidade vivida, por estes dias, nas ruas da cidade, contrasta com o alvoroço vivido há 20 anos.

Poucos dias depois do acidente, começaram a chegar milhares de voluntários, prontos para limpar a “maré negra” com as próprias mãos. “As pessoas viam as imagens na televisão e queriam vir ajudar”, conta ao Porto Canal um marisqueiro que durante mais de um ano teve que deixar as redes e por mãos à obra para limpar a costa onde cresceu.

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Mais de 300 mil voluntários, vindos de todo o mundo ajudaram a limpar a costa da Galiza

Segundo os registos oficiais, chegaram à Galiza mais de 300 mil voluntários vindos de todas as partes do mundo. Mas quem esteve no terreno assegura que o número é bem maior. Escolas, pavilhões e as próprias casas da população abriram-se para albergar quem largou tudo para defender uma costa que não era a sua.

“Foi maravilhoso”. É assim que Quique Morales recorda a gigante onda de solidariedade para com a Galiza. “O meu trabalho era contar o que se estava a passar, mas quando desligava a câmara eu própria ia ajudar”, relembra o jornalista.

O Alto Minho viveu meses em sobressalto, mas “sempre pronto a ajudar”

Nos dias e meses seguintes ao naufrágio, as “imagens duras” das aves, dos golfinhos e das tartarugas completamente cobertas de petróleo faziam adivinhar o gigante impacto que o Prestige viria a ter na biodiversidade.

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Em Portugal foram recolhidas centenas de aves contamidas pelo combustível

Portugal que viveu, durante meses, com medo de que a mancha negra chegasse às praias do Alto Minho acabou por ser essencial na resolução deste problema.

Nos três meses que se seguiram ao acidente foram recolhidas na costa portuguesa mais de 400 aves marinhas completamente embebidas em crude. Em Esposende nasceu a operação “Ganso-Patola”, promovida pelo Instituto de Conservação da Natureza.

“No hospital de campanha que montamos passaram cerca de 200 aves”, conta José Gualdino, voluntário português que ainda hoje recorda o cheiro intenso a detergente da loiça, usado para limpar as penas dos animais.

José Gualdino e tantos outros voluntários que, a partir de Portugal, fizeram o que podiam para ajudar a minimizar o impacto do Prestige chegaram mesmo a passar a noite de Natal longe das famílias para ficarem a tomar conta das aves que chegavam feridas à costa portuguesa.

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