Vida e obra de Rei Artur
Porto Canal
O primeiro treinador português campeão europeu de clubes foi página da edição de maio de 2017 da Revista Dragões, onde se recordou o Dragão na mais bela valsa de sempre. A pouco mais de um mês do 27 de maio em Viena, Artur Jorge já era o maior. Depois, o célebre calcanhar de Madjer e o remate de primeira de Juary elevaram o feito a um nível para lá de magnífico.
Ver esta publicação no Instagram
Em 1987, nem visto da lua o FC Porto era considerado favorito para a final com o Bayern de Munique. O colosso alemão, já com três títulos de campeão europeu no currículo, foi carrasco do Real Madrid nas meias-finais, após ter despachado um notável Anderlecht na eliminatória anterior. Se por cada paraíso existe um inferno, os portistas avançavam para Viena metidos num paradoxo: à felicidade pela presença inédita na final opunha-se a séria adversidade que os germânicos representavam. Vistas as coisas desta maneira, Artur Jorge e o FC Porto até podiam sair com bons sentimentos do jogo com o Bayern em caso de derrota, mas a abordagem azul e branca à final nunca se desviou da ambição e da confiança num genuíno sucesso.
Com três anos de trabalho à frente da equipa portista, o técnico sabia perfeitamente como o plantel estava no ponto certo para fazer história e, quando dava voz ao orgulho e comentava “isto de um treinador português estar nesta final alguma vez tinha de acontecer”, não era para colocar limites às ambições. “O mais bonito em futebol é ver os resultados do trabalho, constatar que o que aconteceu não foi obra do acaso, mas sim provocado. Em futebol, nada pega de estaca… Se o FC Porto está na final da Taça dos Campeões é porque o clube tem um projeto ambicioso, liderado pelo presidente Pinto da Costa”, explicou várias vezes Artur Jorge. Quem o soube interpretar, percebeu onde estava o foco do clube e do técnico. “Vamos com muita esperança e uma estratégia que esperamos que seja a melhor possível. Não fazemos previsões, mas acreditamos que o FC Porto vai fazer o melhor. Os jogadores estão excitadíssimos por jogarem a final e o resultado vai depender de muitas coisas. Não será por falta de ambição, entusiasmo e serenidade que não vamos conseguir trazer a taça para Portugal” – despediu-se com estas palavras, o treinador, à partida para Viena, e o que se seguiu foi a passagem à imortalidade sentado no trono de rei da Europa.
“Não é possível descrever o que aconteceu hoje. Tudo teve a ver com trabalho e com um projeto encabeçado pelo presidente. Sem ele e sem os jogadores não era possível ganhar. É um privilégio treinar no FC Porto e jogadores destes”, disse Artur Jorge, na noite de 27 de maio de 1987, já como inédito treinador português vencedor da Taça dos Campeões Europeus. “Alguém tinha de ser, eu sou o primeiro, mas outros se seguirão, com certeza…” – José Mourinho, pelo FC Porto, estava a 17 anos de distância de confirmar esta previsão.
“Melhor jogo, grande personalidade”
Se tivesse voto na matéria, Artur Jorge teria escolhido Lisboa ou Madrid para discutir a final com o Bayern. “Porque assim seria uma espécie de Viena para os alemães”, explicou o treinador em 1987, já com Viena muito perto no calendário. O jogo foi o que se sabe, o FC Porto foi para o intervalo a perder por 1-0 e virou o resultado na segunda parte, com golos de Madjer e Juary. “Pela minha cabeça passou apenas o seguinte: sou treinador de futebol, tenho a responsabilidade de tentar modificar as coisas que eventualmente não estejam bem, e tenho sorte, porque conto com excelentes jogadores que, como toda a gente viu, conseguiram fazer uma segunda parte muito bonita e mereceram uma vitória que conseguiram à custa de um melhor jogo, de uma grande personalidade, de um grande entusiasmo, de uma grande clarividência”, explicou Artur Jorge no fim da valsa azul e branca no Estádio do Prater.
Títulos cheios de significado
Artur Jorge estreou-se como treinador do FC Porto em 1984/85 e sagrou-se logo campeão nacional, mas o histórico do técnico no FC Porto recua à década de 1960, quando o sócio portista 6725 iniciou um percurso de futebolista (avançado) pelos azuis e brancos, indicado por José Maria Pedroto. Começou ao serviço dos infantis e evoluiu até ao topo, estreando-se pela equipa sénior em 1964/65. Menos de 20 anos depois, em abril de 1980, regressou ao clube para integrar a equipa técnica de José Maria Pedroto. O “Mestre” delegou em Artur Jorge a missão de observar jogadores, mas foi trabalho para pouco tempo, já que, no final da época de 1979/80, o “verão quente” nas Antas conduziu-os a outro destino. Contratado em 1984 para liderar uma equipa que já tinha experimentado uma final europeia – Taça das Taças –, Artur Jorge, natural do Porto (13 de fevereiro de 1946), apresentou-se assim à nação azul e branca: “Nasci aqui, criei-me aqui, por cá andei de calções e depois fui dar uma volta, conhecer o resto do país e, naturalmente, voltei. Este é o caminho normal, volta-se sempre ao ponto de partida. O meu regresso tem um significado que facilmente se compreenderá.” Viena foi o palco do último título celebrado por Artur Jorge na primeira experiência como treinador do FC Porto. A segunda, iniciada a meio da época de 1989/90, colocou-o novamente na rota dos êxitos a azul e branco, até 1991. No total o técnico venceu uma Taça dos Campeões, três Campeonatos Nacionais, uma Taça de Portugal e três Supertaças de Portugal.
Bigode, poesia e... futebol!
Artur Jorge sempre passou a imagem de um homem à prova de nervos, mas também foi dono de um generoso bigode que ainda hoje pertence ao imaginário de quem recorda, por exemplo (e sobretudo), os dias da conquista de Viena.
Em 1987, dizia: “Ser treinador do FC Porto é ser treinador de um clube extraordinariamente grande, com uma força muito grande. Nesta altura é o melhor e maior clube português.”
Sobre a relação técnico/jogadores: “Não sou treinador de uma equipa de província. Sou o treinador de uma equipa que é uma das duas melhores da Europa ou do Mundo. Não podemos falar de relações familiares, em que vamos ali ao lado beber um copo ou jantar.”
A afirmação de Artur Jorge não se esgotou no futebol. “Vértice da Água” (1983, edições O Jornal) é o livro de revelação da veia poética do treinador, que cursou Germânicas em Coimbra.
Na juventude, os estudos não venceram propriamente a atração de Artur Jorge pelo futebol, mas foram importantes. Se a vida não o levasse pelos caminhos do desporto, “ser diplomata” era uma ideia alternativa.
No ano de 1978, Artur Jorge viajou para a República Democrática da Alemanha (RDA). Em Leipzig, completou um curso de Educação Física, diplomando-se em Biologia Desportiva, Futebol e Teoria e Metodologia de treino.
A primeira entrevista de Artur Jorge a um jornal foi concedida a “O Porto”, antigo órgão oficial do FC Porto, e publicada em 1962. Era avançado nos infantis do clube, aluno do Liceu D. Manuel II (onde praticava basquetebol e andebol) e pensava que tinha mais “queda para Letras”. Gostava de romances policiais e música ligeira, mas o futebol é que era.
30 anos de Viena no Coracao do Porto A conquista da Taça dos Campeões foi o maior acontecimento da história do FC Porto, um terramoto de alegria e orgulho que agitou a cidade e o país. Quando passam três décadas da vitória sobre o Bayern de Munique, o Museu FC Porto inaugura uma exposição temporária que percorre todo o caminho dos Dragões até à final de Viena, contextualizando esse trajeto no momento de afirmação que o clube vinha a protagonizar desde 1982. “V – 30 Anos de Viena” é um olhar mais detalhado para os jogos, os golos e outras curiosidades da campanha portista de 1986/87 na prova da UEFA, mas sem esquecer factos anteriores, decisivos para o FC Porto reunir as condições necessárias ao sucesso alcançado no Estádio do Prater a 27 de maio de 1987. Viena, vitória, valsa, vanguarda, visão são palavras e conceitos presentes no discurso desta mostra temporária, a decorrer a partir de 22 de maio e até ao final de agosto na Sala Multiusos e no âmbito da área temática 28., pensada para desvendar mais história dentro e, até mesmo, fora do Museu. A exposição reúne factos, objetos e documentos do FC Porto e da coleção privada do presidente Jorge Nuno Pinto da Costa, e será o epicentro de uma programação muito específica e surpreendente, ao longo dos próximos meses, no Museu, onde todos os dias é possível descobrir o troféu que mudou a história do clube e da cidade em 1987.
Texto originalmente publicado na edição de maio de 2017 da Revista Dragões.