É possível ter mais árvores nas cidades? 500 caldeiras vazias no centro de Coimbra dizem que sim
Francisco Graça
Foi numa noite de final de outubro que apareceram placas pela cidade de Coimbra. As tabuletas plantadas em caldeiras – bases ao nível do passeio onde ficam as árvores – queriam crescer e tornar-se bétulas, freixos ou cedros. Atrás das placas, um QR Code, com um manifesto por mais folhagem nos centros urbanos.
A ideia veio de um grupo de cidadãos preocupados. O movimento “Eu Também!” fez um levantamento de 486 caldeiras vazias nas freguesias da cidade, selecionou 72 locais especialmente visíveis, junto a escolas, supermercados ou cruzamentos, e lá colocou tabuletas de madeira com a mensagem “Quero ser uma árvore!”.
Há 486 caldeiras identificadas em Coimbra que não têm a correspondente árvore plantada. O movimento de cidadãos Eu Também! quer mudar o aspeto destas ruas
“É um absurdo uma caldeira vazia, e aqui em Coimbra são centenas e centenas no perímetro urbano”, explicam João Freire e Duarte Miranda, membros do grupo. “A infraestrutura está lá toda. Tem o passeio feito, tem lá a terra, o quadrado preparado, espaço de um lado e outro, e falta a árvore. Só falta a árvore”.
Um movimento chamado Eu Também!
“Há esta tradição de Coimbra de criticar e criticar. Nós queremos dar o próximo passo”, ri-se Duarte, 32 anos e arquiteto de formação. Quando o órgão de comunicação local online Coimbra Coolectiva organizou uma sessão para cidadãos debaterem ideias para o local onde vivem, Duarte e mais sete “coordenadores” decidiram juntar-se e pôr em marcha uma série de campanhas criativas de protesto.
“Somo zero políticos, 100% cidadãos. Não estamos associados a A ou B, não temos ambições políticas, somos pessoas de Coimbra que querem ter um papel ativo na vida do seu bairro”, explica João Freire, 52 anos, gestor. “Pensámos o que queríamos para Coimbra, alguém disse “um parque infantil”, os outros responderam “eu também”. “Eu gostava de conhecer os meus vizinhos”, “eu também”. “Gostava que as ruas fossem limpas”, “eu também”. E assim, em jeito de piada, o nome do nosso movimento ficou mesmo “Eu Também!”.
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As ideias para ações de sensibilização surgiram de imediato. Se havia calçadas com buracos, o grupo foi pintar cada paralelo à volta da falha. “A rua ficou toda pintalgada de amarelo, verde, azul. E, de repente, os buracos da calçada notam-se muito mais. Foi a nossa maneira divertida e descomprometida de chamar a atenção”. Depois, o grupo virou-se para as árvores.
O abate de árvores em Coimbra
Em setembro, apareceram protestos quando a Câmara Municipal anunciou o abate de cinco plátanos velhos (com idades a rondar os 80 anos) para a construção da linha de metrobus da cidade. Um outro estudo do anterior executivo municipal sobre o estado fitossanitário das árvores levou ao abate de mais 135 exemplares no espaço de duas semanas.
“Esta questão do suposto corredor verde é realmente um tema muito quente em Coimbra”, assume João Freire. “E nós olhávamos para estas caldeiras vazias e pensávamos se o habitante comum tinha noção de quantas seriam”.
Um dos membros do grupo começou a mapear as caldeiras vazias. Os outros seguiram os passos, tirando fotografias e georreferenciando no Google Maps. E assim se chegou às 486 caldeiras identificadas prontas a acolher árvores.
O grupo reuniu família e amigos num domingo à noite. Alguns arquitetos arranjaram paletes antigas e restos de obras. Dividiram-se em cinco grupos de quatro pessoas e foram para a rua plantar tabuletas.
“Muitas pessoas elogiaram a iniciativa nas redes, outras disseram que devíamos ter sujado as mãos, plantado árvores verdadeiras e não apenas cartazes”, diz Duarte. “Mas isso é impossível. Nós não nos podemos substituir aos vereadores, às esquipas municipais que tratam do conjunto arbóreo, vir aqui plantar tílias numa avenida de plátanos, por exemplo. Há limites à nossa ação”.
As placas foram colocadas com o compromisso de ficaram na rua duas semanas e depois serem recolhidas e recicladas.
A importância dos movimentos de cidadãos
João Freire acredita que a iniciativa, apesar de curta, foi um sucesso. “Aliás, houve agora uma sessão do presidente da câmara em jeito de balanço de dois anos de mandato em que ele fez a promessa de colocar uma árvore em todas as caldeiras de Coimbra. Se foi uma resposta direta à nossa ação, não sei. Mas enche-nos de satisfação”.
O grupo reuniu família e amigos num domingo à noite. Alguns arquitetos arranjaram paletes antigas e restos de obras. Dividiram-se em cinco grupos de quatro pessoas e foram para a rua plantar tabuletas
“Mas atenção”, alerta João Freire. “Estes protestos não são apenas para que os cidadãos façam valer as suas ideias. É claro que demonstra que há formas concretas de podermos influenciar as ações políticas. Mas também serve de estrada para que os políticos ouçam e reflitam sobre as ideias dos cidadãos. É uma ponte que se estabelece, de diálogo. O que fazemos aqui não é oposição, não é confronto. É realizarmo-nos como cidadãos”.
O Plano de Arborização do Porto
A Câmara Municipal do Porto apresentou no início de maio um plano de arborização, com um relatório detalhado sobre as dimensões das ruas e caraterísticas como a exposição solar, o vento, a humidade, o solo, as vias de circulação, que árvores precisa e que árvores pode ter, como e em que ruas da cidade.
Porto tem 65 mil árvores públicas e a maioria está inventariada e disponível para consulta online
Num website criado especificamente para inventariar e georreferenciar as árvores públicas da cidade, a autarquia portuense apontou 65 mil árvores em 156 quilómetros de artérias arborizadas. O objetivo são, neste momento, chegar aos 200 quilómetros de ruas possíveis de arborizar no médio/longo prazo.
A presença de árvores nas ruas está associada a uma maior bioclimatização, regulação de temperaturas das cidades, conforto estético e sonoro das populações e uma sensação de tranquilidade.
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