A acusação de corrupção, os depósitos milionários e a amizade com Vieira. Quem é César Boaventura?
Francisco Graça e Joana Almeida Carvalho
O empresário do mundo do futebol César Boaventura foi acusado pelo Ministério Público (MP), esta segunda-feira, de três crimes de corrupção ativa e um crime de corrupção ativa na forma tentada. Segundo argumenta o MP, Boaventura terá tentado aliciar jogadores do Rio Ave e do Marítimo para prejudicarem as equipas em jogos contra o Benfica na época 2015-2016.
Esta terça-feira, ficou também a saber-se que Boaventura vai ainda a julgamento responder por suspeitas de burla qualificada, fraude fiscal e branqueamento de capitais no âmbito da Operação Malapata.
Mas quem é, ao certo, César Boaventura, e como se mexe no universo do SL Benfica?
As origens de César Boaventura
César Boaventura é um nome que nem sempre foi conhecido pela esfera pública. A primeira vez que se falou no empresário, e nos alegados esquemas e mundos em que se movimentava, foi num programa do Porto Canal, Universo Porto da Bancada, a 4 de abril de 2017.
“Deixo um conselho, os presidentes das equipas que vão defrontar o Benfica, não deixem chegar junto dos jogadores nenhum César”, foi o aviso do diretor de comunicação do FC Porto. Na altura, Francisco J. Marques alertava para aquele que passou a ser conhecido como “homem da mala do Benfica”, um agente ou empresário que estaria a aliciar jogadores adversários para perderem de propósito contra a equipa da Luz. O mundo do futebol já falava, em voz baixa, dos supostos jogos de bastidores em que Boaventura estaria metido, referiu J. Marques.
César Boaventura começou por criar uma agência de jogadores, a GIC, sediada em regime offshore em São Tomé e Príncipe e que trabalhava de forma próxima com o Benfica. Nessa altura, teria já uma boa relação com o ex-presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, que terá mandatado pessoalmente Boaventura para vender o antigo treinador Rui Vitória ao clube inglês Everton. Todos os pormenores do negócio foram divulgados no Youtube e posteriormente confirmados pelo próprio Boaventura em entrevista à SIC Notícias, em 2018. O mediatismo haveria de atrair as atenções do denunciante informático Rui Pinto, que dedicou à empresa GIC publicações na sua página de Twitter.
César Boaventura detido por indícios da prática de crimes de fraude fiscal, burla qualificada e branqueamento de capitais. Um esquema que poderá ter movimentado cerca de 70 milhões de euros.
— Rui Pinto (@RuiPinto_FL) December 15, 2021
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Foi em 2018, numa investigação realizada pela SIC, que César Boaventura foi associado a um “alegado esquema de aliciamento de jogadores do Marítimo que seriam pagos para perder nos jogos contra o Benfica”. No mesmo ano, outro caso: os jogadores do Rio Ave, Lionn e Cássio, acusavam Boaventura de oferecer 250 mil euros para perderem um jogo contra o Benfica.
Um ano depois, nova polémica. Boaventura utilizou as redes sociais para divulgar o nome do árbitro do jogo entre o FC Porto e o Marítimo. O empresário partilhou a informação 24 horas antes de ser oficialmente divulgada pela Conselho de arbitragem. Em 2020, mais um caso, desta vez com buscas no Estádio da Luz e da Académica de Coimbra, relacionadas com a Operação Mala Ciao.
Em comunicado, a PJ explica que foram identificados movimentos financeiros suspeitos de César Boaventura, em diversas plataformas, num montante superior a 70 milhões de euros
As acusações do Ministério Público
De vários casos e suspeitas, César Boaventura está envolvido em duas operações mais mediáticas: Operação Malapata e Operação Mala Ciao. A primeira é uma investigação sobre práticas de crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais e falsificação de documentos – o MP acredita que Boaventura criou um esquema de movimentação e branqueamento de dinheiro através de transferências de jogadores de futebol e manipulação de contas bancárias.
O Tribunal de Instrução Criminal do Porto decidiu levar César Boaventura, que está em prisão domiciliária, a julgamento. Na acusação, o MP sustenta que "além da notoriedade que procurava e publicitava nas redes sociais, César Boaventura, para conferir maior credibilidade à sua veste de empresário de futebol de sucesso, fabricou contratos de exploração de direitos de imagem, confissões de dívida e extratos bancários, documentos utilizados para convencer terceiros a entregarem-lhe as importâncias que o mesmo foi pedindo e que foram canalizadas para fins distintos ao que anunciava".
No comunicado, a PJ explicava que, até àquele momento, tinham sido identificados movimentos financeiros, em diversas plataformas, num montante superior a 70 milhões de euros.
A acusação do MP do início desta semana relacionada com corrupção está ligada à Operação Mala Ciao. Neste caso, César Boaventura é acusado ter tentado aliciar Marcelo, Cássio, Lionn (do Rio Ave) e de Salin (do Marítimo) em jogos contra o Benfica na época 2015-2016.
O MP pede que César Boaventura seja condenado a pagar €480 mil ao Estado, que “corresponde ao valor da vantagem/recompensa prometida” aos futebolistas e também seja impedido de exercer a profissão de agente desportivo durante três anos.
Acessórios de luxo, carros topo de gama e mansões, mas sem rendimentos ou património, acusa Ministério Público
Dinheiro e vida de luxo
César Boaventura está ainda acusado pelo Ministério Público de apresentar “um património incongruente” no valor de “€1.172.010,35 (um milhão, cento e setenta e dois mil e dez euros e trinca e cinco cêntimos) que não é compatível com os seus rendimentos lícitos e fiscalmente comprovados".
Boaventura é visto regularmente com acessórios de luxo, carros topo de gama e vive em moradias de elevado valor, apesar de insolvente desde 2014 e de não possuir em seu nome “qualquer património, imóvel ou móvel”, argumenta o MP.
Apesar de Boaventura ter declarado apenas 54 mil euros de rendimentos lícitos em cinco anos, terão passado pelas contas tituladas por Boaventura, entre 2017 e 2021, cerca de 1,2 milhões de euros. Para o Ministério Público a diferença de 1,17 milhões de euros representa uma “vantagem da atividade criminosa” e, dessa forma, esse montante tem de ser “declarado perdido a favor do Estado”.