Administradores da TAP recebem mais desde que Governo nacionalizou companhia
Porto Canal
A equipa executiva responsável pela gestão da TAP teve um aumento salarial desde que o Governo de António Costa nacionalizou a 100% a companhia aérea em 2020, segundo documentos publicados pela própria transportadora.
Pelo que é possível perceber na comparação de dados de vencimentos entre 2019 (quando a TAP era gerida por privados) e 2021 (quando a empresa passou a ser gerida unicamente pelo Estado), a carga salarial do Conselho de Administração da TAP passou de 1,568 milhões de euros brutos anuais para 2,624 milhões de euros. Ou seja, na teoria, houve um aumento de 67,3%, mesmo que depois seja necessário considerar que, atualmente e por motivos de controlo financeiro, toda a administração da TAP esteja sujeita a um corte do vencimento de 30%. Apesar desta redução, o valor global final recebido pelos gestores de topo da empresa continua a ser mais elevado do que em 2019: 1,837 milhões de euros anuais brutos.
Segundo contas feitas inicialmente pela CNN Portugal, e agora confirmadas pelo Porto Canal, os gestores da TAP ficaram com mais regalias desde que a companhia foi nacionalizada. Os dados estão em dois relatórios distintos, públicos e acessíveis através do site da TAP: o Relatório de Gestão e Contas Consolidadas de 2019 e o Relatório de Governo Societário de 2021.
Relatório de Gestão e Contas Consolidadas de 2019, divulgado no site da TAP. 12 membros do Conselho de Administração recebiam 1,568 milhões de euros brutos anuais
Em 2019, dizem as contas oficiais da TAP, gastou-se 1,568 milhões de euros em remunerações do Conselho de Administração, constituído por 12 elementos, entre eles Miguel Frasquilho (presidente do Conselho de Administração nomeado pelo Estado) e Antonoaldo Neves (presidente executivo apontado pelos privados), David e Humberto Pedroso (acionistas e vindos do Grupo Barraqueiro), ou David Neeleman (acionista detentor de 22,5% da empresa).
Em 2021, os valores sobem para os 2,624 milhões, sendo necessário aplicar o corte de 30% sobre os vencimentos. Em termos reais, as remunerações dos administradores executivos e não-executivos da TAP ascendeu aos 1,837 milhões de euros, mais regalias relacionadas com subsídios de residência e de frequência escolar.
A presidente e diretora-executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener, está nos relatórios como recebendo 720 mil euros anuais (após corte de 30%, 504 mil euros, o equivalente a 36 mil euros brutos mensais). Tem ainda direito a um subsídio de residência anual até 30 mil euros, visto ter nacionalidade francesa e viver fora do país até ao momento da contratação pela TAP.
Relatório de Governo Societário de 2021. 10 membros executivos e não-executivos da TAP auferiram 1,837 milhões de euros brutos anuais, já depois do desconto de 30% no salário exigido pelos cortes temporários da empresa
Na última década, a TAP foi privatizada, recomprada parcialmente e finalmente nacionalizada em três processos diferentes. Primeiro, 61% da TAP foi vendida pelo segundo Governo de Pedro Passos Coelho, num negócio acertado em junho de 2015, mas fechado dois dias após a moção de rejeição apresentada pelo PS em novembro. Na altura, o Estado transferiu os destinos da transportadora a David Neeleman, dono da companhia aérea brasileira Azul, e Humberto Pedrosa, responsável pelo Grupo Barraqueiro.
A privatização foi parcialmente revertida logo em 2016, com a subida do Governo de esquerdas de António Costa. Com o apoio da “geringonça”, o Estado recuperou metade do capital da TAP, mas a gestão ficava inteiramente nas mãos dos privados. Na teoria e na prática, era David Neeleman e o Grupo Barraqueiro que continuavam a indicar os nomes do presidente da assembleia geral, do secretário da sociedade, dos titulares do conselho fiscal, dos membros da comissão de vencimento, dos administradores da comissão executiva. Apesar de o Estado deter 50% do capital da TAP, ficou apenas com 5% dos direitos económicos.
A demissão de Alexandra Reis, apesar de inevitável, não resolve os problemas de fundo no modo como a TAP e os seus recursos têm sido geridos, a começar pela a opacidade da gestão numa empresa intervencionada com dinheiros públicos, num total de 3,2 mil milhões de euros. (cont.)
— Inês de Sousa Real (@lnes_Sousa_Real) December 28, 2022
Em 2020, e já com os efeitos da pandemia de covid-19 a sentirem-se, o Estado voltou a negociar com Neeleman. A nova intervenção pública comprou definitivamente 22,5% da TAP ao empresário brasileiro-americano, afastou a família Pedrosa dos cargos de administradores e colocou nas mãos do Estado a gestão total da companhia.
Em junho de 2021, um ano depois de o Estado ter assumido o controlo do capital e da gestão da TAP, é escolhida uma equipa liderada por Manuel Beja como presidente do Conselho de Administração e Christine Ourmières-Widener como diretora-executiva.