António Sarmento, primeiro vacinado contra a COVID-19 em Portugal, deixa direção do serviço de Infecciologia do Hospital de São João
Porto Canal
António Sarmento, o primeiro vacinado contra a COVID-19 em Portugal, numa cerimónia no final de 2020 que marcou o início do maior plano logístico jamais implementado no país, retirou-se da direção de serviço de Infecciologia do Hospital de São João, que liderava há 16 anos.
Para o agora ex-diretor, “ser médico é quase como no amor.” É preciso alimentar o gosto. E foi a paixão pela atividade clínica que o manteve 16 anos na liderança da equipa. “Não deixei isto por cansaço nem por falta de saúde, e a intenção não é reformar-me”, garante.
Embora tenha abandonado oficialmente o cargo no dia 15 de julho, para ser rendido no lugar por Maria de Lurdes Santos, diz querer continuar a passar nos corredores. “É evidente que vou continuar a ser médico. Tenho mais três anos para me manter no hospital.”
“As pessoas transcenderam-se”
A paixão pela medicina surgiu quando teve de decidir o que estudar. Deixou a engenharia de parte e agarrou mais de 40 anos de profissão. Formou-se em mais duas especialidades – farmacologia clínica e medicina intensiva –, mas foi como infecciologista que passou pelo maior desafio da carreira: a gestão, na linha da frente, da resposta à pandemia de COVID-19. “Foram períodos muito difíceis”, recorda, sem, no entanto, deixar de sublinhar aspetos positivos: “Naquela fase pior, as pessoas transcenderam-se.”
Um enfarte depois da pandemia
“Foram períodos muito pesados. Nesta fase, estamos a viver a ressaca do cansaço”, afirma. Depois da fase mais conturbada da pandemia, António Sarmento sofreu “um problema grave de coração”, um enfarte que o obrigou a uma cirurgia cardíaca urgente e três enxertos. “Acho que foi do stress, claramente. Não tenho fatores de risco, mas tive uma doença grave. É o stress que mata”, desabafa. Até cinco dias antes do incidente, o então diretor ainda integrava regularmente escalas de urgências noturnas.
Subfinanciamento e “burnout” ameaçam SNS
Aos 66 anos e na reta final da profissão, o médico e professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto relaciona o estado de “burnout” que atravessam os médicos com o subfinanciamento crónico do SNS.
No entender de António Sarmento, não são as questões salariais as que mais preocupam os profissionais de saúde e que estão na origem do “burnout”, mas sim “sentir que não têm condições para tratar com dignidade os seus doentes.”
O antigo diretor antevê novas pandemias e garante que, também por isso, é necessário um maior investimento no Serviço Nacional de Saúde.