Mercearia mais antiga do Porto vai fechar para dar lugar a Ale-Hop
Maria Abrantes e Alexandre Matos
A Mercearia do Bolhão, a mais antiga da cidade do Porto, vai fechar a 30 de abril, depois de 144 anos de atividade no coração da baixa portuense. No seu lugar, vai abrir uma loja da cadeia espanhola Ale-Hop, confirmou em exclusivo ao Porto Canal o proprietário do espaço, Alberto Rodrigues.
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“Já sabia que a mercearia vai fechar?”, vão perguntando Vítor e Elisabete, dois dos funcionários da Mercearia do Bolhão, na Rua Formosa 305, aos clientes habituais que vão passando pela loja.
Já têm menos de duas semanas para liquidar todos os produtos que ainda ocupam a parte da frente de um espaço que abriu as portas pela primeira vez em 1880. Atrás, as prateleiras que outrora estavam recheadas de vinhos do Porto estão agora vazias, à espera de serem desmontadas.
Tanto no exterior como no dentro da mercearia, é impossível não ver o papel que indica “40% Liquidação total. Vinhos do Porto. Desconto 40% sobre o preço”.
Para Vítor Franco, que trabalha na Mercearia do Bolhão há 40 anos, a notícia chegou com alguma tristeza. “Mas olhe, paciência”, diz. “O que é que podemos fazer? Não podemos fazer nada”, conta ao Porto Canal, resignado. “Estas lojas têm tendência para fechar”, frisa, lembrando como mudou a zona envolvente do Bolhão ao longo das últimas décadas. “As lojas novas estão a dar cabo do comércio tradicional”.
Longe vão os tempos em que se “trabalhava muito bem” e que se “vendia muito”, recorda Vítor Franco. É, aliás, o único na Mercearia do Bolhão que chegou a conhecer um dos fundadores. “Tinha 93 anos, depois faleceu passado um ano”. Na altura, a Mercearia e a Confeitaria do Bolhão, umas portas abaixo, no número 339 da mesma Rua Formosa, eram lojas irmãs, com o mesmo pai. Os negócios ainda passaram para o filho, mas acabou por passar para outros donos a mercearia e a confeitaria “cinco anos depois”, conta-nos. Aí, as duas lojas separaram-se. “Depois em 1998, passou para este senhor que está agora”.
O senhor “que está agora”, Alberto Rodrigues, conta que antes a clientela era muita. “Tinha um rol impressionante de clientes”.
“A maioria eram de bancos e companhias de seguro. Depois também havia aqui os residentes. Residentes que foram desaparecendo, porque deram lugar agora aos Alojamentos Locais. Isto teve uma transformação muito grande”, admite ao Porto Canal.
Agora, o negócio anda difícil. As pessoas vão ao mais “baratucho”, com Alberto a queixar-se também que o paladar das pessoas “também já mudou”.
O proprietário lamenta que as grandes superfícies comerciais estejam completamente disseminadas nos centros das cidades, com o Porto a não ser exceção. “Agora deixam abrir aí à balda”, atira.
“Agora o capitalismo selvagem toma conta de tudo, não tem barreiras o capitalismo selvagem”, queixa-se Alberto, acrescentando que as novas superfícies “podem abrir onde quiserem, abafar tudo. Em tempo houve regras, agora não”.
E com o negócio a “começar a sofrer” e com os “encargos a aumentarem”, surge uma possibilidade de deixar a Mercearia do Bolhão.
“Chega uma proposta de uma multinacional. Eu faço umas contitas… e acho que ‘já vou nesta embalada’”, confessa. Por agora, o negócio é apenas de arrendamento,
mas Alberto Rodrigues não põe de lado uma possível venda.
A multinacional é a cadeia espanhola de lojas Ale-Hop. O Porto Canal contactou a empresa para averiguar quando será a abertura, mas não obteve qualquer resposta até à data de publicação deste artigo.
Existem já quatro lojas da cadeia na cidade do Porto, incluindo uma na Rua de Santa Catarina, a poucos metros do número 305 da Rua Formosa.
Aquilo que já é certo é que no dia 1 de maio, a Mercearia do Bolhão não vai estar aberta ao público, e não será apenas por ser feriado. A 30 de abril, as prateleiras e os corredores ficam permanentemente vazios - sem produtos, e com eles desaparecerá um pedacinho de tradição e história da cidade do Porto.
“Acho que nós deveríamos valorizar um bocado mais aquilo que nós temos de bom”, diz Elídia Teixeira, que trabalha perto da Mercearia do Bolhão. “É uma pena ver o nosso património a fechar lentamente”, acrescenta.
Outro cliente habitual, Alberto Pena, diz que vai à loja principalmente para comprar pão da província. “Nas grandes superfícies não há nada disto”, admite. “Sente-se perfeitamente que a cidade já não tem nada a ver com o antigamente”.
Este é um sentimento que não deixa de ser partilhado pelo proprietário.
“Penso ‘que pena, que pena’, mas também que se as pessoas gostam de ver estes espaços, também é preciso que os ajudem. Mas as pessoas estão habituadas a ir aos ‘grandes’. Se eu visse aqui hipóteses de aumento, ou se tivesse um familiar que pegasse nisto…”, resigna-se Alberto Rodrigues.
“Saio daqui com um bocado de tristeza, saio. Se estivesse mesmo a faturar bem, eu ia fazer o sacrifício de me manter à frente disto. Mas vem outras coisas mais rentáveis. É como tudo. Tudo tem o seu fim.”