Os rostos da pesca artesanal na praia da Aguda
Catarina Cunha
Aguda, Vila Nova de Gaia. Conhecida por ser terra de pescadores, de gente humilde e devota à Nossa Senhora da Nazaré. São nove horas da manhã e já se avistam, ao longe, quatro embarcações.
Uma delas é o barco ‘Manarte’ de José Maria, pescador naquela região há 30 anos. Naquele dia, a “fartura” foi pouca, mas “amanhã será melhor”. O tom da resposta é forte e esperançoso, não deixando ainda assim de transparecer a angústia de uma frase que já foi repetida demasiadas vezes ao longo dos tempos.
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A pesca artesanal, algo que é “tradição de família”, está em declínio na Aguda. E para isso contribuem as adversidades que a comunidade enfrenta para poder subir ao barco e fazer-se ao mar. “Não temos um portinho de abrigo para ir ao mar” ou “barracões” para guardar o material, aponta o pescador, enumerando os prejuízos avultados que isso acarreta em dias de maré cheia.
Antigamente chegavam aos 30 barcos mas aos dias de hoje não passam de quatro embarcações familiares. As contrariedades afugentam os pescadores, sobretudo os mais novos, num labor que é caraterizado pelo recurso a embarcações pequenas e com uma “mão de obra familiar”.
“Só ganho quando vou para o mar”
José Maria faz do ‘Manarte’ o seu trabalho a tempo inteiro. “Só ganho quando vou para o mar, não temos garantias nenhumas”, realça. Quando o S. Pedro troca o destino, o pescador fica por casa “a arranjar redes ou a fazer novas”.
Nesses dias de pouco ganha pão, “os meus filhos têm que me emprestar dinheiro para pagar as contas de casa”, confessa emocionado. Mas mudar de vida não é uma realidade viável. “Para onde é que eu vou com esta idade?”, questiona-nos enquanto encolhe os ombros, rendido ao seu destino. “O mar é a minha vida.”
É “tradição de família” e passa de geração em geração
A ouvir com atenção as palavras de José Maria encontramos João, pescador há meia dúzia de dias que saltou para o mar para “a tradição não morrer” e honrar os costumes da família.
Fez o curso de pescador administrado pela FOR-MAR, onde ao longo de dois meses intensivos aprendeu, por exemplo, “como fazer os nós nas redes, o conhecimento das espécies e a segurança básica”. João, que foi criado com “o dinheiro do mar”, pretende numa fase inicial fazer da pesca o seu trabalho a part-time.
O recém-pescador afirma que a falta de condições da Aguda e a escassez de jovens estão relacionados. Conta-nos que existem “aqui jovens que querem trabalhar, o único problema é a falta de condições para sair para o mar. Tenho colegas que têm o curso de pescador, mas não estão na Aguda”.
A desembaraçar as redes na lota encontramos também Diogo, de 20 anos, que foi colega de João no curso de pescador.
O jovem é “filho de pescador” e quer seguir as pisadas dos familiares. “Foi uma coisa que vivi desde pequenino, é uma coisa de que eu gosto. Está no sangue”, comenta tímido.
“Não é futuro para eles”
A lota da Aguda é a segunda casa de Dona Isabel, conhecida naquela zona - e fora dela também - por apregoar o peixe em escudos.
“Não é futuro para eles, já foi futuro. Estão meses, às vezes, sem ir ao mar. Se não tiverem outro ganha pão como é que vão sobreviver?”. As palavras da vendedora, avó de Diogo, ecoam na lota vazia. Mulher e mãe de pescadores nunca se habitou a ver os homens da família de costas voltadas para terra a sair para enfrentar o mar.
“Não consigo vê-los a ir para o mar. Quando eles estão a entrar vou dar uma volta, é difícil”.