Foi o Porto que ensinou o país a cozinhar bacalhau?

Foi o Porto que ensinou o país a cozinhar bacalhau?
| Porto
Ana Francisca Gomes

O trabalho feito pela academia e pelos arquivos mostram-nos que o bacalhau é um prato presente na mesa dos portugueses desde, pelo menos, a Idade Média. No passado, os navios responsáveis por pescar este peixe impossível de ser dissociado à cozinha portuguesa vinham do Norte do país. Historicamente, a cidade do Porto foi a primeira a receber e preparar o bacalhau que os pescadores portugueses traziam das águas geladas da Terra Nova, Islândia e Gronelândia. Na invicta, que história há para contar sobre a pesca deste peixe?

 
 
 
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Um dos sítios que ‘restam’ para recordar a pesca de bacalhau – que em Portugal ficou conhecida por “Faina Maior” – é o Armazém Frigorífico da Comissão Regulador do Comércio do Bacalhau. Situado na rua do Ouro, este edifício foi transformado num prédio de habitação e comércio de luxo. A fachada, contudo, foi preservada e nela conseguimos ver esculturas representativas dos pescadores, da autoria de Henrique Moreira. Erguido em 1939, esta foi uma construção mercantil do Estado Novo.

E o bacalhau foi, de facto, uma ferramenta utilizada pelo Estado Novo para propaganda nacional, tornando-o uma tradição em todo o país. Segundo Nuno Miguel Costa, do Museu Marítimo de Ílhavo, o Estado Novo via no bacalhau um prato “simples” e “humilde” que ajudava a educar o povo a ser poupadinho e “bem comportadinho”.

O Estado Novo (1933-1974) implementou uma política que beneficiava os armadores assegurando o financiamento, o fornecimento de mão-de-obra e outras facilidades que maximizaram os lucros e fizeram crescer a frota envolvida nesta pesca. A Comissão Reguladora do Comércio de Bacalhau foi criada pelo Decreto-lei n.º 23.968, em 5 de junho de 1934. Em 1939, em Massarelos, inaugura-se o edifício da Comissão Reguladora do Comércio do Bacalhau.

A freguesia de Massarelos, outrora chamada freguesia da Nossa Senhora da Boa Viagem, era “terra de gentes que viviam das pescas no rio e no mar, e se ocupavam também no amanho das poucas leiras existentes à volta da zona ribeirinha”, como escreveu o cronista José Fernando Magalhães para o Tripeiro. Nesta zona havia o Cais do Bicalho, desaparecido por volta dos anos 60 com a construção da Ponte da Arrábida. Até meados do século XX, os bacalhoeiros paravam neste cais.

Depois de longos meses no mar, a frota bacalhoeira regressava a Portugal. Também o cais da ribeira era local de chegada e partida, onde muitos barcos descarregavam as suas capturas. É pela quantidade de pescadores e mercados que se concentravam na zona que uma parte da Muralha Fernandina, na Ribeira, ficou conhecida como “Muro dos Bacalhoeiros”.

Todos os restaurantes que vemos atualmente à beira-rio foram, um dia, lojas e armazéns de bacalhau. Na rua do Muro dos Bacalhoeiros, nasceu e teve um armazém de bacalhau o responsável pela receita “à Gomes de Sá”. José Luís Gomes de Sá Junior eternizou a receita, depois de a ter vendido ao seu colega e melhor amigo João, cozinheiro do Restaurante Lisbonense, localizado na Travessa dos Congregados, na cidade do Porto.

O bacalhau, como os portugueses o consomem, passa ainda por um processo de seca. Durante o século XX, havia duas áreas no Grande Porto onde se procedia à seca deste peixe. Uma delas ficava ao fundo da Estrada da Circunvalação, próximo ao Castelo do Queijo, em terrenos junto àquilo que é agora o Parque da Cidade, a rotunda da Anémona e o Queimódromo. Em Vila Nova de Gaia havia também uma em Lavadores.

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