Prometeu-se estratégia, mas Pêgo Negro continua "esquecido” no Porto Oriental
Ana Francisca Gomes
Os novos planos para a urbanização da zona de Campanhã avançam a todo o gás e com eles chegam novos projetos para colorir esta região cinzenta da cidade do Porto. As atenções, contudo, parecem não ter passado pelo Pêgo Negro, para onde a câmara municipal do Porto tinha anunciado uma estratégia urbanística em 2015.
Quem está na entrada nascente do Parque Oriental do Porto e decide percorrer a rua do Pêgo Negro, imediatamente ao lado, está longe de acreditar que o amontoado de casas e ‘barracos’ improvisados em chapa chegaram um dia a acolher alguém.
Outrora vibrante, aquela rua em paralelo foi dizendo adeus aos seus moradores, mas nem todos a abandonaram. Uma peça de roupa estendida ao sol vai denunciando um ou outro resistente que ainda habitam nesta mancha urbana esquecida e periférica à cidade, junto à invisível fronteira com Gondomar, e que é espelho de muitas outras idênticas que pintam a paisagem da freguesia de Campanhã.
Camuflada no meio de sobreiros e casas devolutas, estão as quatro paredes do “Senhor Braga”, que se mudou para aquela zona apenas há meia dúzia de anos e cujo apego é o mesmo de quem lá passou a vida inteira.
No meio de tantas casas sem gente, surge como um “guardião” do Pêgo Negro. Plantou um conjunto de palmeiras na zona que circunda a sua casa, “para isto ficar mais apresentável” e enxuta “quem se tenta apropriar das casas abandonadas”, confidencia, com orgulho.
O sítio onde pernoita não tem condições, mas o peso de ter que sobreviver com uma reforma de pouco menos de 300€ não lhe permite melhor. Foi o próprio que fez as obras que a sua casa e a da filha mais nova, ao lado, necessitavam. Não tinham casa de banho e o quarto do neto não tinha condições para o acolher. “Ainda andaram a falar que a câmara ia expropriar estes terrenos aos proprietários, só que nada aconteceu”, lamenta.
Nesta zona, agora quase deserta, continuam bem expostas as marcas de miséria, pobreza habitacional e exclusão social que um dia encheram a rua de Pêgo Negro. Durante muito tempo, eram arrendadas casas incapazes de oferecer o mínimo de condições. A autarquia ia dando soluções e realocando as pessoas em casas camarárias, contudo o esforço caía sempre por terra: as habitações, pertencentes a privados, eram arrendadas a novas famílias. Os relatos eram de paredes com tanta humidade que nasciam cogumelos, buracos por onde entravam ratos do exterior e falta de saneamento.
Em 2015, a autarquia do Porto, já liderada por Rui Moreira e com Manuel Pizarro à frente do pelouro da Habitação e Ação Social, avançava com um estudo transversal sobre esta situação e prometia que Pêgo Negro teria uma estratégia. No ano seguinte, a empresa municipal Domus chegou mesmo a contratar um escritório de arquitetura para desenvolver um projeto para uma “ilha” municipal situada no número 351 daquela rua.
Quem lá passa, contudo, facilmente constata: nem projeto, nem estratégia. No Pêgo Negro continua a esperar-se por uma solução definitiva.
Fonte do gabinete Cannatà & Fernandes Arquitectos, que ficou responsável por desenhar aquele espaço, esclareceu ao Porto Canal que o projeto chegou a ser feito e entregue à Câmara do Porto, que nunca lançou concurso. O Porto Canal contactou a Câmara do Porto, que não deu qualquer esclarecimento sobre o assunto.
“Isto é uma Faixa de Gaza, está muito perigoso”
Mais abaixo na rua, a apanhar sol junto ao rio, estão Maria e José (nomes fictícios), cujas memórias daquilo que o Pêgo Negro um dia foi são suficientes para encher um livro.
Os dois, que por lá resistem, lamentam que “restem apenas umas 50 pessoas - se tanto - numa zona onde já moraram entre duas a três mil pessoas”. Maria mora há 84 primaveras junto ao rio Tinto, que atravessa a zona de Campanhã, e lembra como a zona já foi mais viva. “Só na nossa rua tínhamos cinco mercearias”.
A rua do Pêgo Negro, diz quem lá mora, já foi um sítio agradável para se viver, mas a demolição do Bairro do Aleixo e a construção do Parque Oriental atraíram a droga e a criminalidade para aquela zona, lamentam os poucos moradores, que a descrevem como sendo “uma Faixa de Gaza”.
Desde a megaoperação da Polícia de Segurança Pública (PSP) nos bairros da Pasteleira Nova e Velha e da “operação de limpeza” da Polícia Municipal a um acampamento lá localizado, o consumo e tráfico de droga acentuou-se na zona do Pego Negro.
Localizado entre o Bairro do Cerco e o Bairro do Lagarteiro, que têm sido dos principais destinos, também o Pêgo Negro sentiu efeitos. Sem a prometida estratégia urbanística da Câmara do Porto, esta zona periférica da cidade junta-se às mais centrais, como a Sé ou Ramalde, como pousio para quem procura satisfazer o vício da droga.