Universidade Fernando Pessoa. Das 40 vagas do novo curso de Medicina, apenas 10 serão para alunos portugueses
Porto Canal
A Universidade Fernando Pessoa tornou-se, na passada terça-feira, no segundo estabelecimento de ensino superior privado a receber autorização para iniciar um curso de Medicina. Das críticas dos estudantes de Medicina, à “nega” do Centro Hospitalar de Gaia, soma-se agora uma nova informação vinculada pelo jornal Público, que divulgou esta quinta-feira que das 40 vagas existentes, apenas 10 serão destinadas a alunos portugueses.
De acordo com o jornal, o projeto apresentado pela Universidade Pessoa à A3ES (Agência de Acreditação e Avaliação do Ensino Superior), contemplava inicialmente a abertura de 100 vagas anuais, sendo que somente 20 desses “numerus clausus” seriam destinadas a alunos de nacionalidade portuguesa. As restantes 80 vagas seriam assim preenchidas por candidatos de países da União Europeia e países terceiros.
Em virtude das restrições impostas pela agência de acreditação, no primeiro ano de implementação, com arranque para setembro de 2023, o curso poderá apenas funcionar com 40 novas vagas, das quais 30 serão reservadas para alunos estrangeiros.
Questionada pelo jornal Público quanto ao valor das propinas que será praticado, a instituição recusa-se, para já, a responder, avançando que “relativamente ao funcionamento do mestrado Integrado em Medicina, a Universidade Fernando Pessoa pronunciar-se-á no momento em que a acreditação e o plano de estudos forem publicados em Diário da República”.
A “nega” do Centro Hospitalar de Gaia
A administração do Centro Hospitalar de Gaia e Espinho recusou o protocolo com a Universidade Fernando Pessoa, tendo a recusa do protocolo sido “remetida para o Conselho de Gestão do Hospital Fernando Pessoa a 15 de outubro de 2021”. Foi nesse mesmo ano e mês que a universidade remeteu a proposta do curso de medicina para a A3ES, que acabaria nestes últimos dias por ser aprovada.
Recorde-se que a Universidade Fernando Pessoa estava, desde 2010, a tentar abrir um curso de Medicina e chegou, inclusivamente, a assinar um protocolo com a administração do centro hospitalar em questão em 2017, administração essa que cessaria funções pouco depois.
No entanto, de acordo com os protocolos de colaboração da Universidade Fernando Pessoa, o CHVNGE consta na lista de parceiros que irá receber os alunos do novo curso, informação incluída também no relatório da A3ES e no parecer negativo da Ordem dos Médicos.
Já os outros centros hospitalares que constam nos protocolos de colaboração com a Universidade Fernando Pessoa – Entre-Douro e Vouga e Tâmega e Sousa – confirmam que acordaram com universidade privada receber os seus alunos de Medicina.
O desagrado dos estudantes de Medicina
Estudantes de Medicina manifestaram-se, na passada quarta-feira, contra a criação de um curso de Medicina na Universidade Fernando Pessoa, no Porto, advertindo que aumentar o número de alunos não resolve os atuais problemas do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
A Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM) diz em comunicado estar “profundamente desagradada e desiludida” com a acreditação do Mestrado Integrado em Medicina na Faculdade de Ciências da Saúde, da Universidade Fernando Pessoa, no Porto, por parte da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES).
Para o presidente da associação, Vasco Cremon de Lemos, as decisões políticas tomadas sucessivamente, sem qualquer sustentação objetiva e racional, contribuem para a deterioração da qualidade da formação médica e do atendimento aos doentes.
“Ao aumentar o número de estudantes de Medicina, vamos assistir a uma degradação da formação médica dos futuros profissionais de saúde, que vão ter menos oportunidades para a prática clínica, menos contacto com os doentes e realizar um menor número de técnicas e procedimentos durante a sua formação”, critica Vasco Cremon de Lemos, citado no comunicado.
Para a ANEM, aumentar o número de estudantes de Medicina também não resolve os atuais problemas do sistema nacional de saúde, “uma vez que este crescimento, que assenta essencialmente na atração de estudantes internacionais (80%), não se vai traduzir num maior número de profissionais de Saúde no Serviço Nacional de Saúde”.
Os estudantes reivindicam ainda que o Inventário Nacional de Profissionais de Saúde continua por realizar desde 2015, apesar do apoio de 300 milhões de euros, contemplado no Plano de Recuperação e Resiliência, para a sua execução.
Para os estudantes, a situação comprova que “estas decisões são tomadas sem que haja previamente um diagnóstico efetivo da Saúde em Portugal e um planeamento racional, no curto, médio e longo prazo, dos recursos humanos e financeiros”.
Alertam ainda que o novo curso de situa numa área geográfica que já tem três faculdades de Medicina, que recebem mais de 500 novos estudantes por ano e colocam mais de 1.700 em ensino clínico nas unidades de saúde da região.
Para o presidente da ANEM, não existem “motivos racionais” para a abertura de novos ciclos de estudo, no público ou no privado, e os argumentos apresentados “constituem um engodo, promovendo ideias erróneas de que estão a resolver-se problemas estruturais da Saúde”.
“Enquanto membros da sociedade, estudantes do ensino superior e futuros profissionais de Saúde apelamos que se pare de utilizar a desinformação como arma política e que se acabem com as políticas de Saúde e ensino superior baseadas em subjetivismo e conveniência”, conclui Vasco Cremon de Lemos.