Morreu Fernando Gomes, bibota de ouro
Porto Canal
Fernando Gomes, melhor marcador da história do FC Porto e “bibota” de ouro, morreu este sábado, aos 66 anos. O clube está de luto perante a perda de um dos seus maiores ídolos.
A transformação do FC Porto num clube ganhador após o 25 de abril teve como momentos mais significativos duas conquistas com caráter quase fundacional: a da liga portuguesa de 1977/78, que colocou um ponto final num longuíssimo jejum de 19 anos sem o principal título nacional; e a da Taça dos Clubes Campeões Europeus de 1986/87, que inaugurou um palmarés internacional que não tem paralelo entre os clubes portugueses. Houve um único jogador protagonista nestes dois acontecimentos separados por nove anos: Gomes, o melhor marcador da história do FC Porto.
Nascido no Porto a 22 de novembro de 1956, Fernando Mendes Soares Gomes tinha 14 anos de idade quando, durante as férias de verão, foi de Rio Tinto ao Campo da Constituição a pé para participar nas captações do FC Porto. Não precisou de muitos minutos para impressionar António Feliciano – histórico treinador e formador de campeões azuis e brancos – e garantir uma vaga no plantel de juvenis a partir dos 15 anos. Apenas três anos mais tarde, aos 17, na primeira jornada do campeonato de 1974/75, estreou-se pela equipa principal e marcou os dois golos da vitória por 2-1 sobre a CUF.
Ainda que o arranque tenha sido fulgurante, ninguém podia imaginar que aquele adolescente estava destinado a marcar uma era no FC Porto, que com ele na frente de ataque viria a ganhar ao longo das duas décadas seguintes muito mais do que o que havia alcançado em toda a história até então. Claro que as conquistas não foram só de Gomes – foram coletivas –, mas é impossível iludir o impacto individual de um jogador que bateu todos os recordes: quando vestiu a camisola do clube pela última vez, a 22 de janeiro de 1989, já havia muito que tinha superado os registos de golos de atletas míticos como Pinga, Araújo, Correia Dias, Hernâni e Teixeira.
Gomes marcou 355 golos em 452 jogos oficiais pelo FC Porto. E muitos deles foram decisivos: em 1977, assinou o único da final da Taça de Portugal disputada com o Braga – primeiro troféu conquistado pelo clube desde 1968; em 1985, fez o golo da vitória na Luz, perante cerca de 30 mil portistas, num jogo que foi um passo importante rumo à conquista do título; em 1987, na segunda mão das meias-finais da Taça dos Campeões Europeus, foi o autor de um dos golos frente ao Dínamo de Kiev que valeram a qualificação para a final de Viena; e em dezembro do mesmo ano, em Tóquio, foram dele e de Madjer os golos que fizeram do FC Porto campeão do mundo contra o Peñarol. Além disso, picou o ponto nos jogos que confirmaram os títulos nacionais de 1978, 1979, 1985, 1986 e 1988.
A impressionante eficácia ofensiva de Gomes valeu-lhe inúmeros prémios individuais. Foi seis vezes o melhor marcador da liga portuguesa – em 1977, 1978, 1979, 1983, 1984 e 1985 –, e em duas sagrou-se mesmo o maior goleador de todos os campeonatos europeus. Recebeu, por isso, a bota de ouro em 1983 e 1985, justificando a alcunha que lhe ficará eternamente associada: Bibota. Entretanto, no plano coletivo, juntou cinco campeonatos nacionais, três taças e três supertaças, além de uma Taça dos Campeões Europeus, uma Taça Intercontinental e uma Supertaça Europeia.
Gomes deixou o FC Porto pela primeira vez em 1980, para representar o Sporting Gijón e marcar 16 golos em Espanha, durante duas temporadas condicionadas por problemas físicos. Em abril de 1982, o regresso do camisola nove a casa foi uma das bandeiras da primeira candidatura presidencial de Jorge Nuno Pinto da Costa. A sua concretização – muito afetada pelo estado depauperado das finanças do clube – não foi fácil, mas aconteceu. E Gomes continuou a marcar golos e a ganhar títulos de azul e branco durante mais sete anos. Pelo meio, sucedeu a Rodolfo como capitão. Fechou a carreira com duas temporadas e 38 golos ao serviço do Sporting. Pela seleção de Portugal, participou em 47 jogos, marcou 11 golos e esteve entre os convocados para o Europeu de 1984 e o Mundial de 1986.
A ligação de Fernando Gomes ao FC Porto não se esgota na condição de atleta. Sócio do clube desde os seis anos, serviu-o como dirigente nas últimas décadas, com responsabilidades em áreas como o scouting e o futebol de formação. A qualidade com que desempenhou estas funções valeu-lhe, em 2021, o Dragão de Ouro de dirigente do ano – em 1986, na primeira edição destes prémios, tinha sido galardoado como futebolista do ano. Quando lhe foi entregue a última distinção, a 29 de novembro do ano passado, o eterno Bibota comentou que, depois de ter recebido tanto do clube, não contava que o FC Porto ainda tivesse alguma coisa para lhe dar. Tinha e terá sempre, porque não há como pagar o que Gomes deu à causa.
Neste momento, onde quer que haja um portista em Portugal e no mundo, há dor e luto. Fernando Gomes morreu aos 66anos de idade, depois de três anos a lutar com um cancro.