Covid-19: Desconfiança internacional pode dificultar apoio a Moçambique
Porto Canal com Lusa
Maputo, 22 abr 2020 (Lusa) - O académico moçambicano Lourenço do Rosário considerou hoje que a falta de confiança da comunidade internacional no Governo pode dificultar a canalização de ajuda financeira para o combate à pandemia provocada pelo novo coronavírus.
"O país vive sob uma permanente desconfiança dos parceiros internacionais", desde que, em 2016, se tornaram públicas dívidas secretamente avalizadas pelo anterior executivo, afirmou Lourenço do Rosário, em entrevista à Lusa.
Lourenço do Rosário, fundador e primeiro reitor de A Politécnica, a primeira universidade privada moçambicana, avançou que a rejeição pelos parceiros internacionais de um pedido de financiamento de 700 milhões de dólares (645,2 milhões de euros) do Governo moçambicano para o combate à covid-19 traduz esse clima de desconfiança.
"Isso veio acrescentar o olhar negativo sobre o nosso país e o Ministério da Saúde está a jogar com as armas que tem", referiu.
Alguns parceiros de cooperação já anunciaram que vão canalizar ajuda em espécie e não em dinheiro e outros defenderam a abertura de uma conta especial a ser gerida pelo Ministério da Saúde para o desembolso direto de apoio financeiro para o combate à covid-19.
"Sofremos um bloqueio efetivo no acesso à ajuda internacional", que é também "um bloqueio mental e psicológico", devido à falta de credibilidade do Estado junto dos parceiros internacionais, acrescentou Lourenço do Rosário.
O facto de uma parte da comunidade internacional evitar o apoio direto ao Orçamento do Estado limita a eficácia na planificação das despesas setoriais por parte do executivo e provoca embaraços, referiu o académico.
Lourenço do Rosário defendeu que a falta de um esclarecimento judicial sobre o escândalo das dívidas ocultas está a atrasar a recuperação da confiança das instituições moçambicanas no plano interno e externo.
Rosário assinalou que o contencioso entre o Governo moçambicano e a comunidade internacional não deve impedir a ajuda ao país contra a pandemia da covid-19, porque se trata de uma emergência global com impacto devastador sobre todas as sociedades.
"O povo moçambicano não tem culpa", observou.
O escândalo das dívidas ocultas refere-se a empréstimos no valor de 2,2 mil milhões de dólares (2 mil milhões de euros) secretamente avalizados pelo Governo moçambicano a favor de três empresas estatais ligadas à segurança marítima e pesca.
A justiça moçambicana e a dos Estados Unidos da América consideram que parte desse dinheiro foi usada para o pagamento de subornos a figuras ligadas ao Estado moçambicano e a banqueiros internacionais.
As empresas deixaram de pagar aos credores e o Estado assumiu a dívida, mas entrou em incumprimento.
Lourenço do Rosário é atualmente presidente do Fórum Nacional do Mecanismo Africano de Revisão de Pares (MARP), plataforma da sociedade civil criada por iniciativa da União Africana (UA), para uma avaliação independente do nível de desenvolvimento económico, social e democrático de cada país membro da organização.
Moçambique tem oficialmente 39 casos positivos de covid-19.
A nível global, segundo um balanço da AFP, a pandemia de covid-19 já provocou mais de 174 mil mortos e infetou mais de 2,5 milhões de pessoas em 193 países e territórios. Mais de 567 mil doentes foram considerados curados.
A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China.
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