Ucrânia: Vítimas da praça Maidan continuam à espera de justiça
Porto Canal / Agências
Redação, 18 fev (Lusa) -- A Amnistia Internacional (AI) desafiou as autoridades ucranianas a realizarem "uma investigação adequada, completa, imparcial, independente e rápida em todas as instâncias" sobre o uso ilegal da força pela polícia durante os protestos na Praça Maidan, em 2014.
A recomendação consta de um relatório da organização não-governamental divulgado hoje sobre as falhas na investigação das autoridades da Ucrânia relativamente ao uso da força durante os protestos na Praça Maidan, entre 21 de novembro de 2013 e 22 de fevereiro do ano seguinte, que envolveram milhares de pessoas.
De acordo com o Ministério da Saúde ucraniano, 106 pessoas morreram em incidentes relacionados com a contestação. A AI refere ainda a existência de centenas de vítimas de violações de direitos humanos por parte de agentes da autoridade.
"Um ano após o fim dos protestos na praça Maidan, a justiça para as vítimas dos abusos da polícia permanece evasiva", refere o documento.
As manifestações foram desencadeadas pelo anúncio do governo ucraniano da decisão de renunciar à assinatura de um acordo de associação com a União Europeia. "O que começou como uma manifestação contra a política do governo em relação à União Europeia evoluiu para um protesto contra o próprio governo", recorda a ONG.
Para a AI, "as múltiplas falhas, a todos os níveis, das autoridades fizeram com que o tratamento dado às vítimas ficasse muito aquém dos padrões internacionais".
Assim, "a Amnistia Internacional apela ao governo ucraniano para tomar medidas rápidas e decisivas para assegurar o direito à justiça e para restaurar a confiança no sistema e no Estado de Direito na Ucrânia".
Na análise da organização, "as lacunas do primeiro ano de investigações após os protestos na praça Maidan expuseram, mais uma vez, as falhas sistémicas existentes e a incapacidade em fornecer uma investigação rápida, eficaz e imparcial sobre abusos cometidos por membros da polícia e de outras agências de aplicação da lei".
"A resistência dentro do sistema e os aparentes conflitos de interesse ao nível das agências em causa, a falta de recursos e de conhecimentos técnicos adequados, a concorrência de, pelo menos, três órgãos com funções de investigação -- o gabinete do Procurador-Geral, Ministério do Interior e Serviços de Segurança da Ucrânia --, demonstram os problemas estruturais de longa data que sustentam a impunidade", adianta.
Nesse sentido, a AI insta as autoridades ucranianas a tomarem "as medidas legislativas e políticas para criar um mecanismo eficaz para a investigação de tais abusos".
O relatório incide em particular sobre 11 casos de uso abusivo da força pela polícia na praça Maidan, com base em testemunhos das vítimas e respetivos advogados e em entrevistas a um investigador do gabinete do Ministério Público e a ativistas que documentaram violações durante os protestos.
"Todos expressaram uma grande frustração face ao ritmo lento da investigação e à falta de informação sobre os progressos", diz a AI, indicando que "alguns não foram sequer abordados pelas autoridades para prestar depoimento e, em vários casos, as provas médicas forenses das lesões são insuficientes ou inexistentes e podem desaparecer depois de ter passado tanto tempo", acrescenta.
A organização sublinha que "as vítimas não sabem, de todo, se os responsáveis pelos crimes cometidos durante os protestos vão ser identificados e levados à justiça", o que está não só "a prolongar o seu sofrimento", como a "impedi-los de pedir indemnizações", negando-lhes -- e à sociedade ucraniana em geral -- "a verdade sobre a violência perpetrada durante os protestos".
Assim, a AI pede que sejam facultadas às vítimas atualizações regulares, atempadas e fundamentadas sobre o andamento das investigações, instando ainda a que qualquer resultado seja sujeito ao escrutínio público, "de forma a restaurar a confiança" nas instituições.
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