Fecha a Mercearia do Bolhão. Vai o Porto tornar-se numa “cidade como outra qualquer”?
Ana Francisca Gomes e Alexandre Matos
A histórica Mercearia do Bolhão, aberta no Porto desde 1880, vai encerrar portas a 30 de abril para dar lugar a uma loja da multinacional Ale-Hop, como avançou o Porto Canal na manhã desta sexta-feira. José Rio Fernandes, geógrafo e professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, considera que Portugal deveria ser “menos liberal em relação ao comércio” e que os municípios deveriam ter mais poder no que diz respeito à ordenação do seu território.
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No número 305 da Rua Formosa, junto ao Mercado do Bolhão, vai nascer a quinta loja Ale-Hop na cidade do Porto. Mas o espaço não vai trazer variedade para o comércio da zona. Na Rua de Santa Catarina, a 140 metros de distância - que se percorrem numa caminhada de dois minutos - já existe a mesma loja da cadeia espanhola. O gerente da Mercearia do Bolhão é também o proprietário do prédio inteiro, sendo que a escolha de alugar o espaço à loja espanhola foi sua. Alberto Rodrigues, para quem as dificuldades nas contas pesaram na decisão final, lamenta que as grandes superfícies agora possam “abrir onde quiserem e abafar este, abafar aquele”.
Para o Rio Fernandes, a discussão não pode ter início sem que se tenha em consideração uma coisa: não há como parar a mudança. “O comércio sempre evoluiu e é natural que algumas lojas fechem e outras abram. Não podemos ser nostálgicos e achar que as cidades podem parar”, diz o investigador no Centro de Estudos em Geografia e Ordenamento do Território em entrevista ao Porto Canal.
Mas nem por isso o desaparecimento de lojas históricas, como será o caso da Mercearia do Bolhão, nos deve deixar de preocupar, já que as cidades são interessantes pelo carácter diferenciador, considera. Até porque se antes o simbolismo estava em “monumentos importantes, como catedrais, palácios e edifícios ligados ao poder” agora são os lugares do dia-a-dia como os “cafés, pequenos restaurantes, casas de pasto, mercearias” que constroem o imaginário da cidade. Com o desaparecimento destes espaços de vivência, “a cidade vai-se descaracterizando e transformando-se numa coisa mais parecida a Paris, ou a outra cidade qualquer, porque se perde o carácter e a individualidade”.
Rio Fernandes, para quem “o mercado não pode decidir tudo”, lamenta que o mercado português seja “muito desregulado” relativamente ao comércio. “Vale a pena começar a olhar para aquilo que se passa na política urbana de algumas cidades, como Amesterdão, onde passou a ser proibido a existência de lojas de venda de lembranças para turistas”. Na Rua da Assunção junto à Torre dos Clérigos, exemplifica, pode encontrar-se “umas seis ou sete lojas dessas juntas”.
“Interessa-nos isso? Faz sentido? Isto está a fazer cidade?”, questiona, afirmando que quem fala de lojas de lembrança fala também em “colocar uma vaca à porta de vários sítios” - numa alusão à cadeia Ale-Hop.
Em resposta ao Porto Canal, a autarquia liderada por Rui Moreira afirmou “não interferir” em propriedade privada e informou que o Plano Diretor Municipal (PDM) “não define critérios de missão do território” e que para os municípios poderem intervir “terá de ser a Assembleia da República a legislar”, já que “só é possível num quadro de mudança da Lei, conferindo mais competências aos municípios”.
Para o geógrafo, o país precisa de ser “menos liberal em relação ao comércio” e deveriam ser dados aos municípios mais poderes relativamente a esta matéria. “Em Portugal nunca houve qualquer tipo de geografia do comércio, qualquer tipo de ordenamento relativo à localização de, por exemplo, centros comerciais”.