Portuenses e estrangeiros dizem “não” ao corte da circulação do elétrico
Catarina Cunha
Recuamos a 1895 para recordar a primeira vez que um veículo elétrico percorreu as ruas do Porto. Quase 130 anos depois, a normal circulação deste transporte público poderá estar comprometida com a construção da Ferreirinha, a nova ponte sobre o Douro que vai servir a linha Rubi do Metro do Porto. Esta é, no entanto, uma hipótese vista com desagrado por portuenses e estrangeiros.
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O percurso desde a paragem do Infante, na Rua Nova da Alfândega, até ao Passeio Alegre, na Foz, é feito à boleia do carro elétrico da linha 1, conduzido por Luísa, motorista naquela carreira há já 25 anos. No período de espera e durante a viagem há uma constante: a margem do Douro, que emoldura uma travessia que é assegurada diariamente. O dia de Primavera é propício à “enchente” que se aproxima do veículo centenário e não são precisos muitos minutos para que os bancos de pele escuros fiquem completos. As conversas são tidas em vários idiomas e desde cedo fica claro que o português não é uma das línguas mais faladas.
Dados da Sociedade de Transportes Coletivos (STCP) comprovam essa ideia. A maior parte dos passageiros que percorrem as duas linhas existentes do carro elétrico (Linha 1 e Linha 8) são de nacionalidade estrangeira e fazem esta viagem para conhecer a história e a cultura da cidade. Já os portuenses fazem-no pela praticidade e hábito.
“Percorro mais ao menos três vezes por semana, ou mais. O meu trabalho fica à frente da paragem do elétrico, é uma das minhas opções de transporte”, conta a passageira Lânia Santos, antes de entrar ao serviço.
Nacionalidades de lado, só no ano passado o carro elétrico transportou 692.960 passageiros, com 517.926 a viajarem na Linha 1, que liga o Infante ao Passeio Alegre, e 175.034 na Linha 18, entre os Clérigos e o Passeio Alegre.
“Seria uma pena” suspender o elétrico
Como o Porto Canal noticiou no início do mês de fevereiro, a circulação do elétrico pela Rua do Ouro está em risco devido à construção da nova ponte sobre o Douro da linha Rubi do Metro do Porto. A opinião dos utilizadores é unânime, desagradados com a possibilidade de o normal funcionamento do transporte ser afetado, apesar de alguns se mostrarem compreensivos e realçarem que as obras são necessárias.
Lânia Santos lamenta o sucedido e constata que os passageiros “vão ser prejudicados”. Do outro lado do banco, na conversa com a motorista, encontra-se Alexandrino Bernardo, que frequenta o carro elétrico há mais de 60 anos. “Deveria continuar, mas se tem que ser tem que ser, tem que se compreender”, atira.
Ao seu lado estava Joaquim Coelho, que admite que o carro elétrico “é o melhor meio de transporte para a cidade do Porto”, para fugir ao trânsito. Sobre o corte de circulação, reconhece que o mesmo deve ser evitado e até sugere o alargamento da linha 1 e 18, hipótese que, na sua opinião, agradaria a turistas e portuenses.
Já entre estrangeiros as reações são idênticas. “Seria uma pena, porque é um meio bonito, histórico e único para percorrer a cidade”, afirma um canadiano, uma opinião partilhada pela sua esposa, que incrédula salienta que “Isto é tão único!”.
Por sua vez, uma passageira de nacionalidade francesa confessa-se rendida ao elétrico. “Quando eu viajo, preciso de conhecer a história típica da cidade. Isto é cultura e histórica, precisa de ficar e precisa de ter uma longa jornada”, conta ao Porto Canal.
Posição da autarquia portuense
“A Câmara não se conforma com a interrupção do elétrico. Nós não vamos aceitar, por uma razão fácil: quando a ponte da Arrábida foi construída não foi feita interrupção. Enquanto for presidente de Câmara, não vamos permitir. Fizeram o projeto mal? Mudem-no”, atirou Rui Moreira
O edil mostrou-se irredutível com essa possibilidade. “A Mouzinho da Silveira está com mais dois anos de atraso, nós não temos visão do fim das obras. (…) E agora pedem avanço da Linha Rubi e que querem a interrupção do elétrico. Não vão!”, continuou.
A preocupação da autarquia nesta matéria não é nova e já tinha sido manifestada pelo vice-presidente, Filipe Araújo, que explicou que o problema estava associado com a catenária do elétrico.
Ao que o Porto Canal apurou, existe a hipótese de ser feito um desvio da linha do elétrico para a área ocupada pelos lugares de estacionamento, no passeio da mesma rua.