Especial Eleições Galiza: 40 anos de autonomia, uma história de “êxito”
Henrique Ferreira
A viagem continua, agora em direção a Norte. 113 Km separam a pequena cidade de Tui da grande capital política da Galiza. Santiago de Compostela, conhecida como lugar de culto e de peregrinação, alberga também a maioria das instituições políticas da região.
Imponente, o Parlamento da Galiza não passa despercebido. “É uma casa da democracia como qualquer outra”, começa por clarificar Pedro Puy Fraga, deputado do Partido Popular (PP). É o primeiro a receber-nos e, por isso, assume o papel de anfitrião.
Construída no início do século XX, o edifício da Assembleia da Galiza foi, antes de o ser, uma escola de veterinária e um quartel do exército. Como parlamento, funciona desde 1989, depois de ter sido comprado pela Junta da Galiza ao Ministério da Defesa espanhol por 550 milhões de pesetas.
Este texto é parte integrante da Grande Reportagem do Porto Canal “Galiza: Espelho da Autonomia”, publicada a 16 de Março de 2023.
A sua importância é inquestionável, dizem-nos todos com quem nos cruzamos nos corredores. “Uma autonomia sem uma assembleia legislativa própria não é em si um autogoverno. Acontece o mesmo nos Açores e na Madeira”, explica Miguel Santalices Vieira, presidente do Parlamento da Galiza, em entrevista ao Porto Canal.
“A autonomia é uma história de êxito. Termos um governo próprio e um estatuto permitiu-nos aceder a uma série de transferências do Estado e ajustar as decisões às nossas necessidades”, afirma o responsável máximo pela assembleia legislativa.
Santalices Vieira destaca, por exemplo, a descentralização na saúde, uma área que está agora “muito mais próxima” dos cidadãos. “Antes da autonomia não dispúnhamos de recursos e éramos obrigados a transferir muitos dos doentes mais graves para Madrid ou Barcelona. Depois do estatuto passámos a ter unidades de cirurgia cardíaca, os hospitais desenvolveram-se e construíram-se centros de saúde em todos os concelhos”, recorda.
Além da saúde, da educação e da ação social, o Governo da Galiza tem competências em dezenas de outras áreas. De acordo com o estatuto de autonomia, a região é responsável pelas obras públicas, pelos transportes e até pela distribuição de energia elétrica. Estão ainda descentralizadas as decisões relativas às pescas, à agricultura e à indústria. Também o património, a cultura e a investigação estão sob a alçada da região, que conta com polícia própria e estações de rádio e televisão públicas.
Mas ainda há muito trabalho a fazer. Quem o diz é Luís Bará, deputado do Bloco Nacionalista Galego (BNG). “Toda a política económica, por exemplo, está muito centrada em Madrid”, afirma o parlamentar, que ocupa um dos 19 lugares do hemiciclo preenchidos pelo partido.
E nem a saúde escapa às críticas de uma oposição cada vez mais feroz. “Peça perdão senhor Rueda aos galegos e às galegas por colocar em risco a sua saúde com 13 anos de cortes e privatizações”, ouvimos no momento em que nos sentamos nas galerias do hemiciclo, para assistir à sessão plenária. A voz é a de Ana Pontón, porta-voz do Bloco Nacionalista Galego. A deputada de 45 anos tem, nos últimos tempos, quebrado estereótipos e aumentado o poder do partido. Nas últimas eleições, em que foi candidata à presidência da Junta da Galiza, conseguiu triplicar os resultados eleitorais do BNG.
A resposta veio logo a seguir. “Senhora Pontón, quando falou em pedir perdão, pensei que pela primeira vez ia fazer um exercício de humildade”, diz Alfonso Rueda, o líder do governo galego, que rapidamente muda de tema. “Estou seguro de que, se o resultado de ontem do Supremo Tribunal tivesse sido outro, vocês teriam começado por aí. Vocês e o Partido Socialista”, atira. Em causa está uma decisão judicial que deu autorização a uma empresa florestal para manter atividade em terrenos localizados junto à ria de Pontevedra.
É agora a vez do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE). E Luís Álvarez Martínez, líder da bancada parlamentar do partido, não perde tempo. “É uma falta de respeito e de empatia trazer para aqui um tema destes. Mas tinha que ser o seu minuto de glória. Se quiser, recordo-lhe qual era a posição do anterior presidente da Junta da Galiza em 2015. É que todos temos histórias Sr. Rueda, você incluído”, exclama o deputado do PSOE que recebe um aplauso vindo dos outros 13 parlamentares que compõem o grupo do partido.
Os dados estavam lançados para um dia agitado na casa da democracia galega. Alfonso Rueda respondeu, como é habitual, às perguntas dos deputados durante as primeiras horas da sessão plenária, que segue depois, sem ele, para a aprovação de leis. Para quem assiste, e sobretudo para quem não costuma seguir a política regional, há algo que salta à vista. Uma das principais diferenças entre os três partidos representados no parlamento é a forma como olham para o nível de autonomia da região.
“As autonomias não são do Estado, são ‘O Estado’”
“O Partido Popular da Galiza nunca foi um partido autonomista, fingiu-se autonomista um pouco por necessidade”, afirma o deputado Luís Bará. “É uma sucursal do Partido Popular de Espanha e, por isso, as suas decisões estão sempre subordinadas às prioridades do partido a nível estatal, que é agora liderado por um ex-presidente da Junta”, explica.
Bará refere-se a Alberto Núñez Feijóo. Foi presidente da Junta da Galiza durante treze anos e é agora líder do Partido Popular, sendo apontado como favorito nas próximas eleições. Feijóo contrapõe, no entanto, o argumento do deputado do Bloco Nacionalista Galego. No primeiro discurso enquanto presidente do PP, a 6 de maio de 2022, fez questão de reivindicar a identidade territorial para fazer frente às mentalidades centralistas, garantindo que, na sua conceção, “as autonomias não estão no Estado, as autonomias são o Estado”.
Também Pedro Puy Fraga defende as vantagens do modelo autonómico e contraria as declarações do deputado do Bloco Nacionalista Galego. Para o porta-voz do Partido Popular no Parlamento da Galiza, o modelo atual “permite adaptar as necessidades dos cidadãos aos poderes públicos”, garantindo melhores resultados tanto a nível económico, como político e social.
Essa é aliás a visão da maioria dos especialistas. “Quando há competências e capacidade para tomar decisões, estas acabam por ser mais adequadas ao território e às suas características”, afirma Maria Bastida, professora de economia da Universidade de Santiago de Compostela.
Apesar das diferenças ideológicas entre os vários partidos, “todos estão a favor de um maior autogoverno”, explica Carlos Amado, coordenador de informação da TV Galiza, que também tem sede em Santiago. “É um processo que continuará ao longo do tempo”, acredita o jornalista do canal público galego.
Reveja a versão integral em formato multimédia da Grande Reportagem “Galiza: Espelho da Autonomia”