Ao fim de 43 anos de autonomia, Galiza pode querer mais
Henrique Ferreira
Sob estatuto autonómico desde 1981, a Galiza persiste como exemplo de uma regionalização efetiva que faz de Espanha um dos países mais descentralizados do mundo. Além de língua própria, a região tem órgãos de governo eleitos e parlamento. Substitui também o Estado central na maioria das tarefas. Desde a segunda metade do século XX, a região cresceu e enriqueceu, tornando-se num polo industrial de referência na Europa e captando investimento de todo o mundo. Esta é a história dos últimos 40 anos da Galiza, um verdadeiro espelho da autonomia.
Este texto é parte integrante da Grande Reportagem do Porto Canal “Galiza: Espelho da Autonomia”, publicada a 16 de Março de 2023.
Passava pouco das 11h da manhã, hora espanhola, quando em frente ao edifício do Concelho de Tui já nos esperava Rafael Bargiela. Define-se como professor e historiador, mas é bem mais do que isso. É um filho da terra e um conhecedor inigualável da história da Galiza. Foi, por isso, o escolhido para iniciar connosco esta viagem pelo passado da região que se tornou autónoma há mais de 40 anos.
A conversa começa com a circunstância habitual de três pessoas que ainda não se conhecem bem. O primeiro tópico é a rapidez com que é possível chegar do Porto a Tui. As duas cidades estão separadas por um curto trajeto de apenas uma hora e 21 minutos de carro.
Rapidamente Rafael apressa-se a encontrar o local ideal para a entrevista. Propõe a Catedral de Tui, onde nas traseiras existe um pequeno miradouro com vista para o rio Minho. “Esta é a fronteira mais antiga da Europa. Desde o século XII, o rio mantém-se como separação natural entre os reinos, primeiro de Leão, depois de Castela e mais tarde de Espanha, em relação a Portugal”, explica o historiador, apontando para a cidade de Valença, que fica a poucos metros, na outra margem.
Sobre a autonomia na Galiza, a resposta está praticamente na ponta da língua. “O que foi realmente espetacular e uma das grandes conquistas, não só da Galiza, mas de todas as comunidades autónomas de Espanha, foi como se construiu uma nova estrutura política de organização do Estado que não tinha precedentes”, conta Rafael Bargiela.
A divisão de Espanha em comunidades autónomas chegou com a Constituição de 1978. Depois de 36 anos sob domínio da ditadura franquista, o país conseguiu finalmente iniciar a transição para uma democracia parlamentar e responder a um problema já antigo: a reivindicação das nacionalidades históricas.
“Essa reivindicação começou a ter uma certa capacidade com a organização do nacionalismo como um projeto político. Nos anos 30, o Partido Galeguista conseguiu trazer a influência do nacionalismo cultural e social e, consequentemente, a reclamação de uma autonomia”, explica o historiador.
Em 1936, os galegos são chamados pela primeira vez às urnas para se pronunciarem sobre a autonomia. A participação foi massiva para a época, com mais de 74% dos eleitores a exercerem o direito de voto. Os resultados não deixaram margem para dúvidas: 99,2% da população votou a favor da autonomia. Apesar disso, o estatuto não chegou a ser aprovado nas cortes espanholas, tendo sido adiado devido ao início da Guerra Civil.
Reveja a versão integral em formato multimédia da Grande Reportagem “Galiza: Espelho da Autonomia”