Dona Isabel apregoa peixe em escudos na lota da Aguda
Catarina Cunha
O relógio marca as 8h30 de uma manhã gelada de dezembro.
Dona Isabel, a representante da lota da praia da Aguda, no município de Vila Nova de Gaia, chega ao seu local de trabalho agasalhada e ainda com os olhos ensonados.
À porta da lota, já estão dezenas de pessoas que olham para o mar à espera que as pequenas embarcações cheguem com peixe acabado de apanhar.
Enquanto espera, a vendedora Isabel Pimenta bebe o seu café, veste o avental, arregaça as mangas da camisola e começa a limpar as bancas. Uma rotina que é cumprida ‘à risca’ há cerca de 30 anos, mas apenas nos dias em que os pescadores enfrentam as ondas do mar. Atualmente, são raras essas ocasiões.
O gosto pela venda de peixe não surgiu de imediato. “Antes, eu não queria vender peixe, tinha vergonha de não saber, mas de um momento para o outro coloquei-me a vender, tem de ser”, retorqui.
Antes de pôr ‘as mãos à obra’, com os olhos em lágrimas, a única responsável pela lota d’Aguda conta ao Porto Canal que veio para aquela terra por amor ao marido pescador com quem partilha uma história de vida há quase 50 anos.
Perto das 9h00 avistam-se as quatro pequenas embarcações da praia da Aguda. Rapidamente, as portas da lota abrem-se, enchem-se de gente, e a acalmia dá lugar a um ambiente de azáfama.
“Quando há bastante peixe, há uma grande azáfama, porque toda a gente quer comprar ao mesmo tempo”, revela Isabel.
O peixe chega à lota carregado pelos pescadores em grandes caixas, lançando o mote para Isabel dar início ao leilão que ainda se faz em escudos, à antiga, ‘honrando’ uma “tradição bonita e que nunca devia ter deixado de existir”, comenta a representante.
Portanto, na lota d’Aguda quem responder ao ‘lance’ de Isabel com um valor mais elevado, leva o peixe para casa.
“É mais fácil vender em escudos”, argumenta, esclarecendo que a maioria dos compradores que frequentam regularmente a lota já estão habituados aquele costume, já outros “ficam confusos”. A esses, Isabel responde: “Dois euros são dez contos, é fácil, multipliquem”.
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Naquele dia, não houve “grande fartura”, mas “amanhã vai ser melhor”, realça a esperançosa Isabel Pimenta. Passadas cerca de duas horas, todo o peixe já tinha sido vendido. Os robalos e as fanecas foram os mais comprados.
Concluído o leilão, chega a hora de limpar. O cheiro a peixe é de imediato ‘abafado’ pela lixívia que Isabel usa para esfregar a extensa bancada e limpar o chão. A lota fecha por volta da hora de almoço. O dia em que abrirá de novo é uma incerteza. Como os populares dizem, “só o S. Pedro é que sabe”.
Logo a seguir ao almoço, Isabel Pimenta ruma para o seu segundo trabalho, uma fábrica onde trabalha há 24 anos, até às 21h30, prova de que ser a ‘dona’ da lota da Aguda não é suficiente para sustentar uma família.