Depois do ‘Comércio’ e do ‘Janeiro’, chegou a vez do JN? O último bastião da imprensa escrita no Porto está sob ameaça

Depois do ‘Comércio’ e do ‘Janeiro’, chegou a vez do JN? O último bastião da imprensa escrita no Porto está sob ameaça
| Porto
Maria Abrantes

Depois do desaparecimento do ‘O Comércio do Porto’ e do ‘O Primeiro de Janeiro’, ambos já no séc. XXI, o Jornal de Notícias passou a ser o único jornal diário, de âmbito nacional, feito fora da capital do país. Mas a incerteza que paira sobre o futuro do grupo detentor do título e a ameaça de um novo despedimento coletivo de 150 a 200 trabalhadores, que irá esvaziar ainda mais os quadros da empresa, lançam o alerta. Nos últimos dias, a greve dos trabalhadores e um movimento a que se associaram diversas personalidades do Porto e do Norte deram voz à pergunta: estará o último bastião da imprensa escrita no Porto em vias de desaparecer?

 
 
 
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“É essencial que um jornal seja feito fora da capital. Mesmo em termos de liberdade política, porque se só estiverem informadas do que se passa em Lisboa, acabam até por desvalorizar os problemas locais que são importantes”, diz Filinto Melo, antigo jornalista do ‘O Primeiro de Janeiro’, que passou pela redação do jornal centenário ainda enquanto estudante e, mais tarde, até ao encerramento.

Depois de uma espiral de instabilidade, o ‘Janeiro’, publicado pela primeira vez em 1868, acabou por encerrar definitivamente em 2015, após uma última tentativa de recuperação do jornal centenário em 2008.

“Tenho muito receio que no JN esteja a acontecer uma coisa parecida. Assisti a isto no Comércio, depois assisti no O Primeiro de Janeiro”, acrescenta Filinto Melo.

Também Natacha Reis, jornalista do ‘Janeiro’ entre 1999 e 2007, lamenta que se esteja a “acabar com esse espaço, que é cada vez mais um espaço que deve ser ocupado, pela dimensão da região e pela proximidade às pessoas. Não há mais nenhum jornal que dê eco ao que se passa aqui”, afirma a atual assessora de imprensa da Câmara de Gaia, que realça a importância do jornalismo de proximidade e relembra que O Primeiro de Janeiro “tinha suplementos semanais de Gaia, Vila do Conde e Matosinhos. Se deixarmos de ter esse eco, todas as instituições deixam de saber o que se passa e deixam de poder mostrar o que se passa também”.

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Os antigos jornalistas dos jornais históricos do Porto entretanto desaparecidos são unânimes ao destacar a importância do jornalismo local, regional e de proximidade que faziam, à semelhança do que ainda acontece no Jornal de Notícias.

É isso mesmo que recorda Paula Gonçalves, que passou pela redação do Comércio do Porto entre 2003 e 2005, altura em que o jornal fechou portas. “Naquela altura fazíamos um jornal mais interventivo e local. Éramos um jornal local, mas com investigação e, sinceramente, acho que estávamos a fazer um bom trabalho. E, portanto, a notícia do encerramento apanhou-nos de surpresa, especialmente por isso”.

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O matutino, fundado em 1854, manteve-se nas bancas durante 151 anos. Até ao encerramento, seria o jornal mais antigo de Portugal continental, mas, apesar de todos os esforços, não foi possível manter vivo o icónico título do Porto.

“Ainda houve uma tentativa de os jornalistas formarem uma cooperativa para tomarmos conta do título, foi feita uma tentativa de encontrar parceiros que nos quisessem apoiar, nomeadamente junto das autarquias, mas acabou por não acontecer”, lamenta Paula Gonçalves, jornalista que deu a cara à última edição impressa do ‘Comércio.’

Anos mais tarde, chegou a vez do ‘O Primeiro de Janeiro.’ “Eu lembro-me de termos contactado uma série de gente e todos nos fecharam a porta. Os empresários locais também parece que não percebem a importância que é ter uma comunicação próxima deles”, ressalva o antigo jornalista do ‘Janeiro’.

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JN avança com nova reestruturação

Em comunicado interno, na quarta-feira, o Global Media Group (GMG), que inclui o JN, DN, TSF e O Jogo, anunciou que vai negociar “com caráter de urgência” rescisões com 150 a 200 trabalhadores e avançar com uma reestruturação para evitar “a mais do que previsível falência do grupo”.

Num manifesto publicado nos canais do movimento “Somos JN”, “pela defesa do ‘Jornal de Notícias’ e de 135 anos de ligação às pessoas e aos territórios”, os trabalhadores referem que o jornal “não é uma prioridade para a nova administração do Global Media Group” e que o corte de trabalhadores “será a morte do JN como o conhecemos e a destruição da ligação centenária às pessoas, às instituições e aos territórios.

O último despedimento coletivo na Global Media tinha ocorrido em outubro de 2020, quando o grupo decidiu dispensar 81 trabalhadores, 17 dos quais jornalistas. “A evolução acentuadamente negativa do mercado dos media, agora mais evidente com a presente pandemia, precipitou os meios de comunicação social numa crise sem precedentes a que importa responder com fortes medidas de contenção”, podia ler-se no comunicado da administração.

A administração da empresa garantia ainda que as medidas tomadas à data iriam permitir à Global não só “regressar a um nível económico e financeiro saudável”, mas também garantir a proteção de “várias centenas de postos de trabalho” e a “continuidade dos inestimáveis serviços que os meios de informação, alguns deles centenários, vêm prestando à comunidade, com qualidade e independência.”

Tiragem e circulação paga afundam

A imprensa tradicional não vive dias fáceis e o jornalismo impresso sabe-o melhor do que ninguém. A transição para o digital e as alterações do padrões de consumo de informação vieram colocar desafios excecionais e a pandemia foi, para muitos, como um ‘golpe fatal.’

Segundo dados da Associação Portuguesa de Controlo de Tiragem e Circulação, o Jornal de Notícias vendeu, em média, 19.327 exemplares no terceiro trimestre de 2023. Há precisamente 10 anos, no mesmo período, o número era de 64.191. Há 20 anos, 101.452.

A era digital não foi simpática para o JN. Embora o jornal conte com uma vasta audiência nas redes sociais e ocupe mês após mês as posições cimeiras do ranking ‘netAudience’, que mede a audiência digital dos órgãos de comunicação social em Portugal, os seguidores, likes e pageviews não têm sido convertidos em subscrições.

Em outubro de 2023, o ranking ‘netAudience’ colocou o Jornal de Notícias em quarto lugar, apenas atrás da TVI, SIC e Correio da Manhã. Ao todo, um total de 2,8 milhões de indivíduos no índice de alcance multiplataforma. Porém, segundo dados do Controlo de Tiragem, no trimestre correspondente esse número traduziu-se em apenas 3.014 subscrições pagas da versão digital do jornal.

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Trabalhadores do JN em protesto em frente ao Conselho de Ministros no Porto

Transição para o Digital enfrenta dificuldades

O lançamento de um novo ecossistema digital do grupo Global Media, vocacionado para a captação de novos públicos e fixação da audiência tradicional, prometia ser como um balão de oxigénio e dar uma nova vida ao JN, mas não está a ter vida fácil. O novo site do jornal, lançado em junho deste ano, tem enfrentado diversas resistências de leitores e jornalistas.

Ao Porto Canal, fonte do jornal fala em ‘bugs’ constantes, dificuldades operacionais e tecnológicas e uma implementação sem planeamento, que apanhou todos de surpresa.

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