João Soares: “Adeus, querido pai”
Porto Canal
A coragem de Mário Soares nos momentos difíceis da sua vida foi hoje recordada com emoção pelos filhos João e Isabel, no claustro dos Jerónimos, onde voltou a ecoar a voz do ex-Presidente da República 32 anos depois.
"Nós, tínhamos aprendido há muito, não se chorava à frente dos PIDES", disse João Soares, que recordou o dia em que em 1968 ficou a saber, com a sua irmã, avô e mãe, que iam deportar o pai para São Tomé e Príncipe, um dos momentos mais difíceis que Mário Soares enfrentou "digno" e "corajoso como sempre".
Na sua intervenção, João Soares evocou o percurso político do pai, que "sofreu um número de prisões elevado" e foi forçado ao exílio em Paris, durante quatro anos, onde "fez uma vida simples": "somos testemunhas disso", afirmou.
De cravo vermelho ao peito, João Soares destacou ainda o "homem livre" que se afirmou como uma das grandes figuras do Portugal democrático e que marcou, de alguma forma, a Europa e o mundo depois da revolução de 25 de Abril de 1974".
Com a voz embargada, Isabel Soares, filha, lembrou os "tempos difíceis esses das prisões, da deportação para São Tomé e do exílio em Paris" mas, frisou, "numa durante esse tempo" se ouviu a Mário Soares um "queixume, uma palavra de desalento ou desânimo".
"Nos dias cinzentos e de chumbo da ditadura, quando o íamos visitar ao parlatório a Aljube ou a Caxias, cheios de raiva contida e de lágrimas, porque a mãe ou o avô nos diziam que não podíamos chorar na presença dos 'pides´ era ainda e sempre o pai que nos dava alento, nos consolava e dava ânimo", recordou.
A cerimónia de homenagem ao antigo presidente da República, que morreu sábado aos 92 anos, começou com a audição das primeiras palavras que proferiu, enquanto primeiro-ministro, na cerimónia de assinatura do Tratado de adesão à Comunidade Económica Europeia, a 12 de junho de 1985, há quase 32 anos, no claustro do Mosteiro dos Jerónimos.
"Nestes claustros velhos de quatro séculos juntam-se hoje o passado e o futuro de Portugal. Ao realizar aqui a cerimónia histórica da assinatura do Tratado de Adesão de Portugal às Comunidades Europeias, quisemos sublinhar que a fidelidade às nossas raízes e tradições constitui condição essencial para a construção do futuro", disse então Mário Soares.
A cerimónia contou ainda com a audição do poema de Álvaro Feijó "Os dois sonetos de amor da hora triste", pela voz da mulher de Mário Soares, Maria Barroso, que morreu em julho de 2015.
O Coro do Teatro Nacional de São Carlos e a Orquestra Sinfónica Portuguesa interpretou os momentos de música na cerimónia de despedida a Mário Soares, que vai hoje a enterrar no Cemitério dos Prazeres, Lisboa, pelas 15:30, no segundo dos três dias de luto nacional decretados pelo Governo.