Grécia: A comunidade clínica que respondeu ao colapso da saúde estatal
Porto Canal / Agências
Constantine Kokossis, 65 anos, é um dos voluntários que trabalha desde o início nesta instituição, onde assegura o secretariado e assuntos administrativos. À entrada, três mulheres aguardam a vez para os dois dentistas de serviço. Nas paredes, cartazes de solidariedade em vários idiomas. O telefone toca incessantemente e Kokossis tentar solucionar diversos problemas burocráticos.
"Esta comunidade policlínica integra um conjunto de médicos, dentistas, farmacêuticos e outros voluntários, todos sem qualquer remuneração. Não somos uma ONG nem garantimos apoios periódicos, quer do Estado quer de outras organizações internacionais", assinala.
As doações provêm da Grécia, e do estrangeiro, através de pessoas ou instituições privadas. No total, 80 pessoas entre médicos, incluindo 30 dentistas, farmacêuticos e pessoal auxiliar garantem o funcionamento diário da policlínica, que disponibiliza várias especialidades médicas e estabelece alguns protocolos, em particular na área da oftalmologia, também para consultas gratuitas.
"Recebemos pessoas de toda a Grécia e sem distinguir entre gregos ou imigrantes, mesmo que tenham sido detidos ou sejam indocumentados. Desde 2012 já assistimos 7.000 pessoas".
A instituição funciona no terceiro andar de um prédio não longe da praça Omonia, conhecia pela sua concentração de imigrantes, que desde janeiro também passaram a ter acesso ao serviço nacional de saúde após decisão do Syriza, o partido da esquerda radical no poder.
"Logo após o início do mandato do Governo em janeiro foi decidido que todas as pessoas devem ter acesso aos serviços de saúde, sem discriminação entre gregos e estrangeiros. Tentaram restabelecer o serviço mas por razões técnicas falta dinheiro, entre outros problemas. Há um atraso, e por isso é necessário manter em funcionamento estas unidades policlínicas dirigidas à comunidade".
No entanto, o aumento exponencial da imigração em direção à Grécia desde o início de 2015 agravou o problema.
"Verificou-se um forte aumento na busca de cuidados de saúde primários. E nós somos a primeira instância a que recorrem", revela. "No passado isso não acontecia, porque a assistência médica estatal estava assegurada, mas foi entretanto desmantelada".
A Comunidade policlínica e farmacológica de Atenas está integrada numa rede mais ampla designada "Solidariedade para todos" (Solidarity4all), que no início forneceu as verbas necessárias para iniciar o projeto.
"Em 2012 foram os deputados do Syriza, então na oposição, que ofereceram parte do seu salário para ajudar neste esforço", indica Kokossis. A Policlínica garante ainda algum apoio monetário através de doadores particulares, decisivo após o colapso do Serviço nacional de saúde, "talvez a maior catástrofe em toda a história deste setor após serem aplicados cortes de 40%".
O responsável da instituição calcula que 2,4 milhões de pessoas, entre desempregados e migrantes, dependem destas instituições para os cuidados de saúde primários.
E a situação agravou-se após as pessoas com mais de três meses sem trabalho terem sido impedidas de acesso ao sistema de saúde estatal. À semelhança de muitos imigrantes (no total cerca de um milhão, 10 por cento da população do país), na maioria desempregados ou envolvidos na "economia paralela".
A aquisição de medicamentos é outro problema central desta policlínica, mas que tem sido minimizado pela "solidariedade dos cidadãos", como refere.
"Todas as manhãs vêm pessoas entregar-nos que os seus medicamentos por já não precisarem ou por terem alterado a prescrição. Cerca de 90% dos medicamentos são garantidos desta forma".
No espaço alugado pela instituição, e para além da sala dos dentistas e da reservada aos medicamentos, funciona uma sala de ginecologia "com material vindo da Alemanha", uma sala para pequenas cirurgias e outra para apoio psicológico.
"Há um grande número de pessoas que necessita de apoio psicológico. Somos um povo mediterrânico do ponto de vista sentimental e psicológico. Desde o início da crise é inacreditável o aumento no número de suicídios. Não havia números, antes eram muito reduzidos, agora são milhares de casos registados", assinala Constantine Kokossis.
"As instituições psiquiátricas foram o primeiro setor afetado pelos cortes no orçamento para a saúde", acrescenta, ao justificar a atenção dedicada a esta especialidade clínica.
E concluiu com uma certeza: "Perante a atual situação, esta policlínica vai continuar a funcionar num futuro previsível".
PCR // PJA
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