Concurso e projeto de futura residência da Universidade do Porto envoltos em polémica

Concurso e projeto de futura residência da Universidade do Porto envoltos em polémica
Imagem: Paula Santos | © WALAA
| Porto
Ana Francisca Gomes

À boleia do PRR, a Universidade do Porto vai construir, na zona de Cedofeita, uma nova residência com 140 quartos para estudantes. O concurso público de arquitetura, contestado pela Ordem dos Arquitectos, foi ganho sem concorrência pela arquiteta autora de um anteprojeto que serviu de base para o mesmo concurso.

 
 
 
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Em 2022, a Universidade do Porto anunciou ter recebido um financiamento de 11,3 milhões de euros do PRR, ao abrigo do Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior (PNAES), para a abertura de novas residências e para obras de manutenção de algumas das já existentes. A “maior fatia”, no valor de 4,6 milhões de euros, estava destinada à construção de uma residência na Rua da Boa Hora, na zona de Cedofeita.

O novo projeto, composto por 151 novas camas e 140 quartos, vai nascer no lugar de um edifício já existente, onde no passado funcionaram as piscinas do Centro Desportivo da Universidade do Porto (CDUP) e atualmente estão instalados alguns serviços da instituição.

A nova residência visa dar resposta à escassez de camas no Pólo I da Universidade do Porto, “onde apenas existem duas residências de estudantes (Residência Aníbal Cunha e Residência Bandeirinha), com um total de 74 camas e para onde foi registada uma procura de 674 camas no ano letivo de 2018/2019”, esclareceu a instituição no momento em que lançou o concurso público de conceção para elaboração do projeto de arquitetura, em janeiro de 2023.

Para aquela parcela, adquirida originalmente pelo Estado em 1967, a U.Porto prevê a demolição quase integral das construções pré-existentes e pretende erguer três novos edifícios. O primeiro, à face da rua, albergará quartos para estudantes, serviços e áreas técnicas. Mas a maior parte da área do novo equipamento vai ocupar o “miolo” do quarteirão, onde vai nascer um edifício de quatro pisos com quartos e um pavilhão desportivo com ginásio.

Com o projeto aprovado na Câmara a 16 de setembro, já só falta à Universidade do Porto adjudicar a empreitada para avançar com a construção. Mas o processo tem sido conturbado: o visto do município avançou após dúvidas levantadas pelos próprios serviços da câmara no Pedido de Informação Prévia submetido pela U.Porto, e a Ordem dos Arquitectos reprovou, mais tarde, os termos do concurso público de arquitetura.

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Imagem: Paula Santos | © WALAA

Anteprojeto aprovado não promovia “correta inserção urbana”

A 9 de março de 2022, uma técnica municipal com responsabilidade na apreciação do projeto chegou a sugerir o chumbo do Pedido de Informação Prévia (PIP) submetido inicialmente pela Universidade, com o objetivo de aferir a viabilidade urbanística do projeto.

A apreciação, consultada pelo Porto Canal, realçava que a volumetria dos edifícios propostos não estabelecia uma “correta inserção urbana e paisagística tendo em conta o espaço público envolvente” - numa zona que, segundo o Plano Diretor Municipal, está classificada como área de interesse urbanístico e arquitetónico. Os serviços da câmara apontavam ainda a ausência de um relatório sobre a salvaguarda de azulejos de reconhecido valor patrimonial na fachada, bem como de outros elementos importantes para a apreciação do projeto, e a desconformidade com o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU).

Ainda assim, no mesmo dia e contra o entendimento da técnica dos serviços, o projeto recebeu luz verde, num parecer assinado pela chefe de divisão. Questionada pelo Porto Canal sobre se o PIP não deveria ter sido alterado até obter uma apreciação arquitetónica favorável, a Câmara do Porto defendeu a conformidade do procedimento, visto que o projeto acabaria por receber um parecer positivo. “Conforme é referido nesse parecer e na informação final, os elementos a corrigir não são impeditivos à tomada de decisão e deverão ser entregues em fase de licenciamento”, esclareceu a autarquia.

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Área a demolir

Peças do PIP na base do concurso público

Mais de um ano depois de o processo ter arrancado com o estudo sobre a viabilidade urbanística, a Universidade lançava finalmente em janeiro de 2023 um concurso público de arquitectura com vista ao desenvolvimento do projeto que iria dar forma à nova Residência da Boa Hora e ao seu pavilhão desportivo.

No programa preliminar do concurso, consultado pelo Porto Canal, a Universidade informava os concorrentes de que já havia sido aprovado um PIP para o local e colocava como condicionante uma “candidatura aprovada” para o projeto da residência. Na então “candidatura aprovada”, anexada à documentação do concurso, era também feita referência ao PIP já aprovado e estavam incluídos elementos do anteprojeto entregue um ano antes na Câmara do Porto.

A presença destes elementos, estabelecidos pela Universidade como condicionante do concurso, não passou despercebida e a própria Ordem dos Arquitetos emitiu uma nota a questionar a decisão. Para o organismo de regulação dos arquitectos pairavam dúvidas sobre “o que se deve ou não extrair daquele documento para elaboração das propostas a apresentar a concurso”, uma vez que “vai sendo aparentemente feita uma descrição de um projeto, supostamente, já em fase de desenvolvimento, com imagens ilustrativas das plantas e fachadas da solução para a futura Residência Estudantil as quais, aparentemente, materializam documentos típicos de projeto de arquitetura”.

E se a apresentação destes elementos pudessem ser apenas a título ilustrativo, ressalva a Ordem, “fica-se ainda com mais dúvidas quando, na fase final do documento, é indicado que «...à presente data, foi já aprovado o PIP - Pedido de Informação Prévia e encontram-se a ser ultimados os projetos de Arquitetura para serem entregues junto da Câmara Municipal do Porto»”.

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Imagem: Paula Santos

Concurso “relâmpago” reprovado pela Ordem dos Arquitetos

Mas as dúvidas da Ordem dos Arquitectos não se ficaram pela presença de uma candidatura com elementos do PIP como condicionante das propostas a apresentar.

O anúncio do concurso, publicado em Diário da República a 19 de janeiro do ano passado, estabelecia o prazo de 30 dias para a submissão de propostas - o mínimo exigido por lei. A janela de tempo apertada para um projeto que quer dar à cidade mais de uma centena de quartos também mereceu críticas do Conselho Diretivo Regional do Norte da Ordem dos Arquitectos, que em comunicado publicado no decurso do próprio concurso afirmou que prazo “não é o mais adequado, por ser manifestamente insuficiente, pois não permite aos técnicos intervenientes no processo fazer uma análise realista e objetiva da encomenda”.

Também na composição do júri a Ordem dos Arquitetos apontou irregularidades. “Para além de um terço dos seus membros efetivos não ter a mesma habilitação profissional exigida aos concorrentes, nenhum dos elementos suplentes é arquiteto”, constatou a instituição, que concluiu pela violação do Código dos Contratos Públicos.

Autora do PIP venceu concurso sem concorrência

Ao concurso responderam apenas três propostas. A primeira desistiu pelo caminho. A segunda acabaria desclassificada por, segundo relatório final a que o Porto Canal teve acesso, “não cumprir requisitos do programa preliminar”. Sobrou a terceira, da autoria da arquiteta Paula Santos, a única admitida pelo júri, e que, sem surpresa, acabaria por vencer. No total, os honorários estão estimados em 461 mil euros, valor ao qual se soma o IVA.

Para Paula Santos, a arquitecta que venceu o concurso “relâmpago”, o projeto das residências da Boa Hora da Universidade do Porto estava longe de ser novo. Tinha sido precisamente o seu escritório o escolhido dois anos antes para elaborar o Pedido de Informação Prévia que constava como condicionante nos termos de referência do concurso que venceu sem concorrência.

O contrato, por ajuste direto, foi assinado pela Universidade do Porto em outubro de 2021. Pelo valor de 14 mil euros (mais IVA), a arquiteta Paula Santos estava responsável pela “entrega e monitorização de um processo na Câmara Municipal do Porto para aferir a viabilidade da edificação que se pretende” para a residência na Rua da Boa Hora.

O desfecho do concurso provocou estranheza e contestação entre a comunidade de arquitectos. Alguns destes profissionais, ouvidos pelo Porto Canal, denunciaram possíveis irregularidades. As regras do próprio concurso, pode ler-se na documentação lançada à data pelos serviços da Reitoria, impediam que os seus concorrentes tivessem integrado qualquer entidade que “tenha, a qualquer título, prestado direta ou indiretamente, assessoria ou apoio técnico na preparação ou elaboração das peças do procedimento que lhes confira vantagem ou falseie as condições normais de concorrência.” Um princípio comungado por todos os concursos e que decorre do Código dos Contratos Públicos. Também segundo o Código do Procedimento Administrativo, está impedida a participação de quem tenha “intervindo no procedimento como perito ou mandatário ou haja dado parecer sobre questão a resolver”.

Questionados pelo Porto Canal, a arquiteta Paula Santos e a Reitoria da Universidade do Porto escusaram-se a responder às questões colocadas.

Caso chegou à Assembleia Municipal do Porto

O caso foi levado à reunião da Assembleia Municipal do dia 30 de setembro pelo arquitecto Pedro Ramalho.

O portuense, residente nas imediações do lote onde será erguida a futura residência, quis alertar os eleitos para o projeto que considera prever “a construção massiva no interior do quarteirão”, ao projetar um edifício com 12 metros de altura a apenas três metros dos limites prediais e um pavilhão desportivo com oito metros de altura.

O arquiteto informou ainda as forças políticas eleitas já ter feito várias participações à Câmara Municipal do Porto contra o projeto.

Antigos imóveis da U.Porto vendidos para hotel e habitação de luxo

Ainda nesta zona central da cidade, a pouco mais de 300 metros de onde será erguida a nova residência, contestada pela densidade construtiva prevista no projeto aprovado, está a antiga Faculdade de Farmácia. O edifício, que faz gaveto com as ruas de Aníbal Cunha e de Sacadura Cabral, foi alienado pela Universidade do Porto em 2015. O imóvel foi entretanto reconvertido em condomínio residencial de luxo e, em 2020, o preço médio do metro quadrado rondava os €5100.

Esta alienação não foi a única concretizada pela Universidade do Porto nos últimos anos no centro da cidade. Também em Cedofeita, entre a Praça Coronel Pacheco e a rua do Mirante, o antigo Colégio Almeida Garrett foi vendido em 2017 por 6,1 milhões de euros. Como já noticiou o Porto Canal, o espaço vai ser transformado num hotel de 4 estrelas, com 190 quartos.

 
 
 
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