Depois das mercearias, são agora as grandes superfícies a tomar conta da Baixa do Porto
Alexandre Matos
Para quem mora na Baixa do Porto, há muito mudou a forma como as compras diárias são feitas. Onde mercearias floresciam e mercados prosperavam, hoje reinam as grandes superfícies comerciais. Cada vez mais instaladas nas ruas do centro histórico, o facilitismo e os preços mais baixos oferecidos acabam por atrair não só os turistas como também os (progressivamente menos) portuenses que ainda habitam no coração da cidade.
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“Antigamente havia mercearias. A gente ia às mercearias, era muito melhor”, lamenta Maria Silva, de 68 anos, à porta do recém-aberto Continente na Rua de Sá da Bandeira. “Agora não há nada, é só Continentes, Pingo Doces…”.
Só na Rua de Sá da Bandeira, junto ao Mercado do Bolhão e a dois passos da antiga Mercearia do Bolhão, que fechou no final de abril como noticiou o Porto Canal em primeira mão, existem três supermercados de grandes cadeias nacionais num espaço de 100 metros.
Para Maria Silva, o fecho daquela que era a mercearia mais antiga do Porto só pode ser visto como algo negativo. “Quantas vezes ia lá à mercearia…”, suspira. “Não deixava de vir na mesma ao Continente, porque ali tinha umas coisas e aqui tem outras. Mas é sempre bom a gente ter as coisas antigas. É muito melhor, não há nada como isso”.
“Tudo o que fechou para nós foi mau”, conclui Maria Silva.
Olinda Leite, de 89 anos, residente da Ribeira, lembra os tempos em que ia buscar, no Natal, bacalhau à antiga Mercearia do Bolhão na Rua Formosa, e outras iguarias como alheira defumada. “Agora venho ao Pingo Doce. A Ribeira antigamente era a Praça da Ribeira onde havia tudo - hortaliças, talho. Agora não há nada”.
“Sou obrigada a vir aqui porque lá não temos nada”, lamenta.
Pequenos comércios locais “abafados” pelas grandes superfícies
O último dos supermercados das grandes cadeias a abrir na Baixa do Porto foi precisamente o Continente da Rua de Sá da Bandeira, a 26 de março deste ano. Data essa que antecede em pouco mais de um mês o fecho definitivo da Mercearia do Bolhão.
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E para Alberto Rodrigues, proprietário da mercearia que foi mais antiga do Porto e dono do prédio inteiro onde agora já abriu uma Ale-Hop, parte da responsabilidade do encerramento de estabelecimentos como o seu é precisamente das grandes superfícies.
“Agora o capitalismo selvagem toma conta de tudo, não tem barreiras o capitalismo selvagem”, queixa-se Alberto, dias antes do fecho da Mercearia do Bolhão, acrescentando que as novas superfícies “podem abrir onde quiserem, abafar tudo. Em tempo houve regras, agora não”.
Autarquia reclama por mais poderes de regulação
Questionada pelo Porto Canal aquando do encerramento da mercearia, a Câmara do Porto afirmou que “não interfere em propriedade privada”. Dias depois, no seguimento de uma reunião do executivo, o vereador Ricardo Valente, com o pelouro da Economia, afirmou que “o que nós podíamos fazer era nada”, afirmando que o município não tem meios jurídicos para intervir.
“Nós temos reclamado este direito há anos e anos, do ponto de vista daquilo que é o comércio de rua. O município deveria ter a capacidade de poder, em sede de PDM, que é assim que se regula território e ocupação de território, nós podermos ter meios de utilização de uso específico, coisa que não nos é dada do ponto de vista normativo legal”, declarou o autarca.
Esta reclamação foi formalizada em finais de abril, com a Assembleia Municipal do Porto a aprovar por maioria uma recomendação do movimento independente que insta o Governo a habilitar os municípios a regularem o licenciamento das atividades económicas.
Na recomendação, o movimento “Rui Moreira: Aqui Há Porto” defende a necessidade dos municípios estarem habilitados a regular as atividades económicas, mas também a concessão, monitorização e revogação das licenças, "garantindo um controlo efetivo".
"Importa reconhecer as dinâmicas atuais em termos de economia, fluxos migratórios e atividade turística e as consequentes mudanças significativas que tal acarreta, particularmente nas áreas urbanas, e a importância de garantir a diversidade e o ordenamento das atividades económicas", lê-se no documento.
Ainda antes, Rui Moreira tinha alertado que os municípios “têm de ter alguma mão e poder dosear” as atividades económicas que vão surgindo e fechando na cidade, até para manter a autenticidade e diversidade de negócios.
Porque, considerou, sem este controlo a cidade “não se consegue planificar nem planear”.