Farfetch abandona unidade de Leça do Balio e regressa ao berço. O colapso do primeiro unicórnio português

Farfetch abandona unidade de Leça do Balio e regressa ao berço. O colapso do primeiro unicórnio português
Porto Canal
| Norte
Fábio Lopes

Nasceu em 2008 no auge da crise e consolidou-se como uma referência do mercado de luxo online. A Farfetch, o primeiro unicórnio com ADN português, está mergulhada em profundas dificuldades e após fintar a insolvência está agora nas mãos da sul-coreana Coupang.

O futuro permanece incerto e de casa às costas, uma vez que a empresa com raízes vimaranenses prepara-se para fechar o Centro de Creative Operations (CrOps) que mantinha em Leça do Balio, em Matosinhos, já no final do mês de maio, concentrando as operações em Guimarães, tendo ainda em vista um megaempreendimento de 200 milhões de euros

A medida surge poucos meses após os encerramentos dos escritórios de Braga e da Avenida da Boavista, no coração da Invicta, mantendo ainda as instalações em Lisboa, além da cidade berço. Nas imediações do espaço que agora fecha portas, o silêncio é palavra de ordem, somente interrompido pelo fechar de portões, assim que uma câmara fotográfica é apontada na sua direção.

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Foto: Pedro Benjamim | Porto Canal

Qual o futuro do Fuse Valley?

Este é assim mais um capítulo de uma já densa história, que tem colocado em suspenso a vida da plataforma de comércio online e com ela a de milhares de trabalhadores.

A instabilidade que tem pautado os últimos meses de atividade da empresa vimaranense coloca, igualmente, dúvidas em torno da construção do Fuse Valley, um megaempreendimento com a ambição de fazer de Matosinhos a “nova Califórnia” portuguesa.

O Fuse Valley, promovido pelo Castro Group, foi anunciado em setembro de 2021 como um centro de inovação que iria criar sete mil postos de trabalho.

O projeto, que inclui também um hotel com 75 quartos e 42 apartamentos; 5 mil metros quadrados de espaços para comércio e serviços como restaurantes, um ginásio e um spa, e, ainda um anfiteatro ao ar livre disponível para receber mostras de arte, palestras e workshops, contemplaria a ocupação de sete dos 24 edifícios pela Farfetch, num investimento partilhado de 200 milhões de euros com a construtora.

A primeira fase de construção devia ter arrancado no ano passado, contudo o projeto ainda não saiu do papel.

Contactada pelo Porto Canal, a autarquia matosinhense sublinha que o processo está em fase de licenciamento, mantendo-se o projeto delineado, remetendo responsabilidades para o Castro Group e para a Farfetch.

 
 
 
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Da ameaça de despedimento coletivo, ao balão de oxigénio assegurado pelo novo dono sul-coreano até à saída da bolsa. O retrato da queda do império fundado por José Neves

Fundada em 2008 pelo vimaranense José Neves, para dar corpo a uma ideia germinada na Semana da Moda de Paris, a primeira startup com ADN português a transformar-se num unicórnio — ou seja, avaliada em mais de mil milhões de euros sem ter presença na bolsa — foi adquirida, em dezembro último, pelo grupo Coupang, em troca de uma injeção de 500 milhões de dólares.

Uma boia de oxigénio da “Amazon sul-coreana” para evitar a falência do grupo luso.

A aquisição da Coupang ficou concluída no início de fevereiro e os novos acionistas encetaram, desde logo, uma reestruturação que vai conduzir ao despedimento de até 30% da sua força de trabalho a nível mundial. Com cerca de 3.000 trabalhadores em Portugal, a tecnológica quer dispensar cerca de mil colaboradores.

Contactado pelo Porto Canal, José Neves recusou-se a fazer qualquer comentário sobre o período tumultuoso da empresa. “Não falo com jornalistas”, salientou.

O atribulado processo de negociação

O processo tem estado envolto num manto de silêncio por parte da empresa. Ainda assim, cerca de 700 colaboradores já terão aceitado a proposta da empresa de saída por mútuo acordo sem direito a subsídio de desemprego, enquanto 200 têm contrato a termo certo que já não será renovado. E uma centena de funcionários está em processo de despedimento coletivo.

Marisa Simões, a advogada que representa 50 destes trabalhadores, denuncia ao Porto Canal que nunca houve a negociação prevista na lei, apenas uma reunião para apresentação da proposta da Farfetch.

Impugnação judicial “em cima da mesa”

“A fase de negociação foi aniquilada. A lei prevê uma fase de negociação que não existiu. Foi lançar uma proposta, nós fizemos uma contraproposta, cortaram a negociação e lançaram a decisão”, salienta.

Terminada a negociação, a causídica admite que haja “impugnação de despedimento coletivo” nos tribunais.

Marisa Simões acrescenta que, apesar das profundas dificuldades atravessadas pela empresa, “durante este processo vão ser atribuídos prémios de avultado valor a algumas pessoas que permanecem na empresa de departamentos superiores”.

“Tivemos também conhecimento de que vai ser feita uma festa de congratulação e entrega de prémios para determinados departamentos. Há uma enorme dualidade de critérios. Há dinheiro para umas coisas e falta para outras”, vinca a responsável.

Os colaboradores que aceitam dar entrevistas falam sob anonimato por medo de represálias, atira Marisa Simões, denunciando estarem a ser vítimas de assédio moral.

A bonança antes da tempestade

Ainda assim, a Farfetch foi uma história de sucesso por mais de uma década. A proposta era arrojada e disruptiva perante a fraca oferta existente no mercado: criar uma plataforma de marketplace que conectava compradores e vendedores de artigos de marcas de luxo, desde Gucci, Balenciaga, Burberry e Dior.

A Farfetch abriu com produtos de 25 boutiques disponíveis em cinco países, apesar da intensa crise que se fazia sentir. A aposta revelar-se-ia um êxito e uma onda de crescimento abateu-se sobre a empresa, que passou a estar cotada em Wall Street 11 anos após a sua fundação.

Do sonho à entrada na bolsa

Quando se estreou na bolsa de Nova Iorque, em setembro de 2018, a Farfetch valia 20 dólares por ação — isto após ter atingido um máximo de 73 dólares, em fevereiro de 2021, ano em que a empresa atingiu o pico em termos de valorização com uma cotação bolsista superior a 20 mil milhões de dólares. Números estratosféricos que faziam sonhar.

Porto Canal

Entrada da empresa portuguesa na bolsa deu-se em 2018

Em 2022, a derrapagem pós-covid fez-se sentir, à medida que o mundo recuperava da tempestade pandémica, expondo as debilidades da empresa com raízes vimaranenses.

A cotação em bolsa foi caindo abruptamente, a guerra não contribuiu, e a empresa saiu do mercado russo, o terceiro maior mercado da empresa, com uma quota de 7% nas vendas e um crescimento de 70% ao ano. Perante esta conjuntura desfavorável, o endividamento galopou e a falta de rentabilidade aumentou a olhos vistos.

O colapso da gigante tecnológica

Em 2023 os resultados líquidos não conheceram melhorias, derrapando uma vez mais.

A Farfetch acumulou três trimestres de prejuízos consecutivos e entre abril e junho do ano transato registou perdas de 258 milhões de euros.

Em novembro, depois de adiar a apresentação de contas, a empresa perdeu, em menos de duas horas, 382 milhões em capitalização bolsista, ou seja, metade do valor em bolsa

A espiral negativa foi consumada com o acordo firmado com os sul coreanos da Coupang, que retirou a empresa de Wall Street e com a demissão de todos os membros da administração, em dezembro de 2023.

Este cenário revelou-se, assim, o fim da linha para o primeiro unicórnio com ADN português, embora o negócio prossiga agora sob outra liderança, mas ainda com muitos pontos de interrogação a pairar no ar.

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