“A compensação do fracasso.” Quando o Porto festejou os Reis em 2000

“A compensação do fracasso.” Quando o Porto festejou os Reis em 2000
| Porto
Rute Marinho

Há exatamente 24 anos, neste dia 8 de janeiro houve fogo-de-artifício nos Aliados. Não por simbolizar uma data cara à cidade, mas por se tratar da concretização do plano B de um espectáculo gorado na passagem de 1999 para o ano 2000. Uma solução encaixada à pressão no encerramento da programação de Natal naquilo que viria a ser designado de “Festa dos Reis”, independentemente de os Reis terem sido terem sido dois dias antes. Pormenores de calendário para que o evento se realizasse ao fim-de-semana.

A verdade e os factos mostravam que essa tinha sido a fórmula engendrada para colocar um pano na fervura dos portuenses. Os mesmos que não se esquecem desse apagão recordado na notícia - “Quando o fogo-artifício falhou no Porto, em 1999” - comentado, por exemplo, por Isabel da Cruz Barrias que esteve “presente nessa noite” e que ainda hoje não esquece a “desilusão” ou por Santos Botelho, segundo o qual “ficaram todos a olhar uns para os outros. Foi indecente o que aconteceu. Turistas, portugueses, tudo ali para nada”. Na caixa de comentários da Memória da Cidade resgatada pelo Porto Canal, os participantes foram unânimes em afirmar que a história quase se repetiu no início deste ano de 2024 , com a deslocalização do fogo-de-artifício para a Praça da República. Decisão que, a avaliar pelas opiniões, provocou um descontentamento generalizado ao deixar muitos desprevenidos a olhar em vão para o firmamento nos Aliados.

Mas essas são já contas de outro rosário…

Porto Canal

Em 2000, Nuno Cardoso tirou o tal coelho da cartola da Festa dos Reis para “compensar” os portuenses. O exato verbo usado não só pelo edil, como também pela sua vereadora da Animação, Manuela de Melo, que engrandeceu com a ideia de transformar a compensação em tradição.

Os sociais-democratas do Porto haveriam de criticar o sucedido, acusariam Nuno Cardoso e Manuela de Melo de terem mentido e chegariam mesmo a pedir a demissão da vereadora da Animação. A mesma responsável que a 4 de janeiro de 2000 anunciava ter ordenado a instauração do inquérito da praxe para apurar o sucedido e responsabilidades.

Jorge Nuno Pinto da Costa também seria questionado sobre o tema. Desvalorizou-o, apesar de entender que tivesse causado “desgosto aos milhares de pessoas que quiseram comemorar a passagem de ano”. O presidente do FC Porto concordaria com essa tal ideia da “compensação”, mas num outro formato àquele que se preparava nos Paços do Concelho. Queria que se voltasse o foco para quem passava não apenas noite da passagem de ano na rua, mas todos as noites de todo o ano ao relento: “Trabalhemos no sentido de que na próxima passagem de ano não existam sem abrigo na cidade do Porto”, os mesmos e outros tantos que Pinto da Costa via do estádio e da Torre das Antas quando o trabalho se prolongava noite dentro.

Não seria assim.

A Festa dos Reis realizou-se, como já se disse, a 8 de janeiro de 2000, dia repleto de iniciativas na cidade, como a vinda ao Porto do então ministro da Justiça, António Costa, para ver de perto o andamento das obras das instalações da Polícia Judiciária do Porto.

Porto Canal

Nesta visita, Costa seguiu acompanhado pelo Governador Civil do Porto, Joaquim Couto e pelo presidente da Câmara, Nuno Cardoso.

Isto, como já se disse, na mesma data da Noite dos Reis, nos Aliados. No entanto, os primeiros a chegar ao epicentro da Baixa não seriam propriamente os curiosos do foguetório, mas sim adeptos FC Porto. É que ainda havia mais essa na agenda: O jogo na Reboleira, com a partida a ser transmitida nos dois écrans gigantes montados em frente à Câmara para quem quisesse ver como se saía naquela partida o FC Porto de Hilário, Secretário, Aloísio, Jorge Costa, Esquerdinha, Paulinho Santos, Chaínho, Drulovic, Deco, Rubens Júnior, Clayton, Peixe e de Capucho que ganhou aos homens da Amadora com dois golos daquele de quem faltava falar, Jardel. Todos eles sob o comando de Fernando Santos.

A vitória azul e branca sobre o Estrela da Amadora estava no papo. Faltava a da Festa dos Reis, a que fez subir a parada do valor da noite de Réveillon dos 15 mil para os 50 mil contos (cerca de 250 mil euros). Terão ajudado os patrocínios das 70 empresas que a edilidade tratou de angariar.

Nessa noite, os Aliados mais parecia não estarem a viver um Réveillon atrasado, mas um S. João antecipado, tal era o concentrado de iniciativas que iriam desde atuações de grupos de Janeiras, a Caretos de Podence, gigantones e grupos folclóricos, passando por concertos da Orquestra de Sopros dos Templários, de Paulo Gonzo e Ornatos Violeta, ao bolo-rei e vinho do Porto a preços simbólicos, até chegar a hora do protagonista do momento: o fogo-de-artifício. Nuno Cardoso fez questão de estar presente, mas não em tribunas ou locais recatados. Bem pelo contrário. O momento exigia-lhe que se mostrasse junto da população para lhe sentir o pulso, literalmente, cumprimentando quem por ele passava, sorrindo e, como anfitrião da noite e da cidade, dizendo mesmo: “Obrigado por ter vindo”.

Dessa vez, o botão não falharia. Quis a Câmara que fosse premido às 23h30. O fogo-de-artifício que previsivelmente duraria entre 15 a 20 minutos, estendeu-se por meia-hora de uma incessante chuva de luz, sendo coroada por uma fugaz surpresa de Rui Veloso em palco ou não estivesse o Porto sentido com o que lhe tinha sucedido na despedida de 99.

Porto Canal

Notava-se que Nuno Cardoso já era outro quando exclamava que “a cidade do Porto é muito solidária, diferente de todas as outras e conseguiu perceber que apesar de um fracasso, no fundo, o mal trouxe o bem e uma festa que vai ficar no panorama cultural da cidade”.

Quanto ao inquérito, o da praxe para apurar o sucedido e responsabilidades, foi conhecido no final de fevereiro de 2000 e atribuía as culpas à empresa de pirotecnia contratada pela empresa municipal Culturporto. Revelava o mesmo inquérito que o operador da firma em causa não estava no local para acionar o famigerado botão na altura esperada. Pois não estava, confirmou o responsável da empresa. Não estava, disse ele, mas a Câmara já o sabia porque na reunião de 10 de dezembro até já tinha dito que tinha outros compromissos para aquela data e não podia alterá-los em cima da hora. Por isso ficou decidido que a missão de pôr tudo a mexer e a estourar no momento certo passava para as mãos de um animador da Culturporto. Da inexperiência deste elemento já se sabia e a isso juntou-se, pelos vistos, um fio elétrico danificado. Danificou-se o fio e a passagem de ano.

A Festa dos Reis - a que alguns sonharam tornar-se numa tradição - aconteceu apenas até 2002. E, mesmo nesse ano, realizou-se em condições inimagináveis, com o País a recompor-se do terramoto político provocado pelas autárquicas de 16 de dezembro de 2001, conhecida como a noite do cartão vermelho ao Governo de António Guterres.

No mapa do País, os estragos do abalo mostravam que o alerta laranja se tinha sobreposto ao rosa: com 142 câmaras conquistadas pelo PSD contra as 113 do PS.

Em Lisboa venceu Santana Lopes, em Sintra, Fernando Seara e no Porto, Rui Rio.

O economista de 44 anos era, até à escolha do partido para a campanha autárquica, deputado na Assembleia da República, considerado o ministro da Economia do Governo-Sombra, mas, apesar do currículo, não passava de um desconhecido do cidadão comum. Ainda assim, derrotou o peso-pesado Fernando Gomes. Não porque tivesse feito melhor campanha ou apresentado argumentos mais válidos. Não. O que mais pesou para o cheque em branco ao candidato do PSD foi a memória dos eleitores que tinha ainda bem presente o dia em que o autarca socialista preferiu trocar a Invicta pelo Terreiro do Paço, deixando Nuno Cardoso a aquecer-lhe o lugar para quando chegasse a hora de regressar.

Voltou quase como que o bom filho que a casa tornava, mas para perder.

Perante os resultados, António Guterres encontrou apenas uma solução: apresentar a demissão “para evitar que o País caísse num pântano”.

O País que, a exemplo do de hoje, se preparava para ir a votos em Março. Estourava-se, por isso, os últimos cartuxos, sendo que, no Porto, a expressão era para ser levada à letra. Era, pois. Então lá poderia faltar o fogo-de-artifício da Festa dos Reis? Não faltou, não senhores. Só não se repetiu. Até ver…

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