“Uma barretada de primeira.” Quando o fogo-de-artifício falhou no Porto, em 1999

“Uma barretada de primeira.” Quando o fogo-de-artifício falhou no Porto, em 1999
| Norte
Rute Marinho

1999, última noite do ano. Uma passagem de ano tão ansiada quanto temida e, já agora, confusa sobretudo para os que diziam erradamente, mas à boca cheia, que esta mudança de calendário representava o fim do século e do milénio.

Porém, havia acima de tudo os que tremiam como varas verdes com a profecia de Nostradamus (“A 2000 chegarás, de 2000 não passarás”) e outros tantos que – de olhos postos nos computadores – sentiam-se, isso sim, preocupados com o armagedão eletrónico que poderia estar iminente com a entrada em cena do bug Y2K. O assustador acrónimo de “Year 2000” seria eventualmente sinónimo de um apagão global uma vez que, na década de 60 do século passado, os computadores haviam sido programados para conter apenas os dois últimos dígitos de 1900. Ora, a mudança para 2000 resultaria, no pior mas mais previsível dos cenários, numa falha dos sistemas, ou seja, o reset para 00 que levaria os computadores numa putativa viagem ao ano de 1900 provocando uma hecatombe num mundo informatizado. O Y2K era a terrífica praga que, a disseminar-se, afetaria água e luz, sistemas bancários, aviação e até o armamento nuclear.

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Às escuras, a multidão na Avenida dos Aliados aguardou expectante um fogo-de-artifício memorável prometido pela Câmara e pela Culturporto. No final, a desilusão e a debandada. (Imagem: Lusa)

Felizmente, a Humanidade sobreviveu à profecia de Nostradamus e ao vírus informático. Este último que não conseguiu infetar a maioria dos computadores por já estar programada com os 4 dígitos do ano, sabendo entender que, depois de 99, o 00 que se seguiria era o de 2000.
Não era, por isso e olhando a esta distância, de estranhar aquela nave espacial estacionada ao fundo dos Aliados, na Praça da Liberdade.

Parecia extraterrestre o ambiente que se vivia no Porto, aparentemente imune a todas os problemas do mundo. Na câmara, Fernando Gomes tinha abandonado a presidência dois meses antes, a 25 de outubro, e dado lugar a Nuno Cardoso, até então vice-presidente. A cidade vivia em alvoroço: a Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura tinha servido de pretexto para uma revolução. As obras em curso, atrasadas por natureza, cruzavam-se no espaço e no tempo com as do Metro do Porto, o “metro de papel” (assim apelidado por Rui Rio, anos antes) que tinha afinal saído para as profundezas graníticas da cidade.

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A Porto 2001 e o Metro do Porto serviram de pretexto para uma “revolução” na cidade. Em 2000, as obras cruzavam-se e ameaçavam bloquear a cidade (Imagem: Lusa)

O espírito do tempo era de mudança. E eram aos milhares os que, como há muito não se via, tinham escolhido os Aliados para se despedirem do penúltimo ano do século e do Milénio e assistirem ao espetáculo pirotécnico prometido pela Culturporto para abrir abrir as cortinas da Porto 2001.

Tudo fazia prever uma noite em grande. Bastava olhar para a tal estrutura instalada na Praça da Liberdade com a forma de nave espacial para perceber que a festa não ia ser sol de pouca dura. Era todo um cenário futurista, aquilo que para muitos – com a mítica série “Espaço 1999” – simbolizava a abertura das portas deslizantes para o ano 2000. Junto à nave estacionada, um som de música eletrónica “embalava” animadores vestidos de um tom metálico extraterrestre, todos eles numa coreografia quase robótica, saudando os que ali se juntavam. Todo um aparato que tinha custado 15 mil contos (perto de 75 mil euros) à Câmara Municipal do Porto (CMP) liderada por Nuno Cardoso, o n.° 2 de Fernando Gomes que o substituiria enquanto este ficasse na Capital a desempenhar funções de ministro da Administração Interna.

Já as rolhas das garrafas de espumante estouravam e ainda nem sequer se tinha ouvido as 12 badaladas. Talvez porque, simplesmente, não as houve.

Em vez disso, uma contagem decrescente em inglês, tal e qual como as das descolagens das naves espaciais: Two… One… Zero… E, nesse momento, também a exemplo da estação do Cabo Canaveral, nos EUA, poder-se-ia ter ouvido: Houston, we have a problem. Nada de fogo-de-artifício. Nada. Ia durar cinco minutos, mas nem isso. Apenas papelinhos brilhantes projetados das escotilhas do aparelho imaginário. E estava feita a festa.

À boa maneira portuense, adjetivava-se de imediato o momento como “uma barretada de primeira”, com a Avenida dos Aliados a esvaziar-se rapidamente, tal como as garrafas de espumante. À uma da manhã de 2000 já quase todos tinham rumado para outras paragens.
Nada mais havia a acrescentar. Afinal, aquele fim de ano já tinha ficado para a História da cidade, mas não pelos motivos esperados.

 
 
 
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“Se o fogo não disparou, alguma coisa não funcionou”

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O ano de 2000 começou com uma insólita conferência de imprensa. O presidente da Câmara do Porto, Nuno Cardoso, acompanhado de Manuela de Melo, vereadora com o pelouro da Cultura e Animação da cidade, reconhecia o “grande desaire” e apontava a falha ao circuito elétrico do botão que deveria ter feito disparar o fogo-de-artifício. A “compensação” aos portuenses era anunciada para a festa dos Reis (Imagem: Lusa)

Contra todos os manuais de comunicação de crise, seguiu-se uma memorável conferência de imprensa de Nuno Cardoso, logo no arranque do ano, no último piso do Rivoli. O sucessor de Fernando Gomes deu o peito às balas, mesmo sem saber ao certo de onde vinham os projéteis. Acompanhava-o Manuela de Melo, mas também um jovem assessor de imprensa de 25 anos. O jovem chama-se Vasco Ribeiro, que mais de 20 anos depois viria a tornar-se chefe de gabinete de Rui Moreira.

Titubeante, o autarca confessou o “grande desaire” e afirmou que “se o fogo não disparou, alguma coisa não funcionou. Houve uma falha técnica, o fogo não disparou no momento em que era para disparar. Não se pode explicar mais nada”. Um esclarecimento que não se fez, ao contrário do “pedido de desculpa formal que já formulei”, sublinhou. Nuno Cardoso dirigia-se aos jornalistas, detrás de um palanque, tendo ao seu lado a vereadora da Cultura e da Animação da Cidade, Manuela de Melo, que logo falou na necessidade de “compensar de alguma maneira a expectativa das pessoas”. A moeda de troca para a “falha técnica” na noite do réveillon seria, segundo a vereadora, “prolongar um pouco o programa do Natal aos Reis e fazer a festa final do programa”. Nuno Cardoso, era nesse momento um homem já mais confiante ao rematar com a promessa de “um grande fogo-de-artifício”, admitindo igualmente ser uma forma de “compensar a população, os portuenses”.

Chamaram-lhe a “Festa dos Reis” quando, também isso, na prática, falhava – mas aí pelo rigor - porque, efetivamente, o evento deu-se a 8 janeiro de 2000. Já Baltazar, Melchior e Gaspar teriam ido às suas vidas.

Pormenores, pormenores como o do fogo-de-artifício que não existiu nessa passagem de ano. Minudências terá interiorizado Nuno Cardoso quando relativizou o momento, afirmando num tom quase vitorioso que “a vida não é feita de pequenos botões. A vida é feita de trabalho consistente ao longo de muitos anos”. Uma consistência fátua como a do fogo que não se viu nos Céus do Porto na primeira noite de 2000.

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“A vida não é feita de pequenos botões. A vida é feita de trabalho consistente ao longo de muitos anos”, dizia Nuno Cardoso, enquanto abandonava a conferência de imprensa, visivelmente irritado com as questões colocadas pelos jornalistas

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