Primeiro e único referendo à Regionalização aconteceu há 25 anos. Recorde o processo
Henrique Ferreira
Há precisamente 25 anos, os portugueses votaram o único referendo sobre a Regionalização em Portugal. No dia 8 de novembro de 1998, 61% da população mostrou-se contra a ideia de criar novas regiões no país, mas a ida às urnas foi precedida de uma campanha de medo e contrainformação. Atualmente, o processo está novamente parado e a demissão de António Costa pode atrasar ainda mais o dossiê.
O início do processo depois da ditadura
Depois de um longo período de ditadura e com a consolidação da democracia, em 1976 o país preparava-se para votar a Constituição. O documento previa a Regionalização e o PSD votou a favor, deixando um primeiro sinal de que o partido estava ao lado da autonomia regional.
Em 1980, Francisco Sá Carneiro chefiava o Governo e falava na importância de uma “democracia regional”. Do outro lado estava Mário Soares que, em oposição, nunca foi entusiasta da ideia.
Foi a partir de meados da década de 1990 que a discussão em torno da Regionalização em Portugal se intensificou. E em 1991, o governo da Aliança Democrática (AD) chefiado pelo social-democrata Aníbal Cavaco Silva aprovava a Lei-quadro das Regiões Administrativas.
Os anos seguintes ficaram marcados por um aceso debate sobre a delimitação de um mapa regional para Portugal. Na revisão constitucional de 1997, Marcelo Rebelo de Sousa, à data líder do PSD, impôs ao governo de António Guterres que o processo tivesse de ser obrigatoriamente submetido a referendo. A solução jurídica encontrada é considerada pelos críticos, como o constitucionalista António Cândido de Oliveira, um “novelo constitucional”, ou um “duplo referendo”, por obrigar simultaneamente ao voto favorável de mais de metade do universo eleitoral e de cada uma das regiões.
Nesse mesmo ano, foram apresentados dois mapas para a divisão regional: um do PS e outro do PCP, em conjunto com o PEV. Os dois restantes partidos com assento parlamentar, o PSD e o CDS, liderados, à época, por duas personalidades marcadamente antirregionalistas, Marcelo Rebelo de Sousa e Manuel Monteiro (meses depois substituído por Paulo Portas), não apresentaram qualquer proposta e mostraram-se sempre contra a reforma da Regionalização, ainda que invocando motivos diferentes para as suas posições.
Cartaz do CDS-PP contra a Regionalização
Dos dois mapas chegou-se a um consenso, e a proposta foi oficializada pela Lei da Criação das Regiões Administrativas, que acabou por ser levada a referendo no dia 8 de novembro de 1998 e chumbada por 61% dos portugueses, numa votação que ficou marcada por um forte antagonismo.
Governo e oposição voltam a atirar Regionalização para baixo do tapete
Atualmente, a discussão em torno da Regionalização está novamente parada. O primeiro-ministro demissionário, António Costa, colocou um novo referendo, em 2024, como promessa eleitoral, mas com a consagração de Luís Montenegro como presidente do PSD colocou o plano em suspenso. O líder da oposição afirma que o país não está preparado e o PS diz que tem que haver consenso político para avançar com um tema tão delicado.
Aliás, em abril, o Partido Socialista retirou mesmo a Regionalização da lista das Grandes Opções do Governo até 2026. A circunstância era assinalada no parecer do Conselho Económico e Social (CES), que lamentou que não há “políticas de cidade” no Interior e pedia “maior ambição” na promoção da coesão territorial.
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Apesar disso, nos últimos anos registaram-se desenvolvimentos no processo e o tema voltou à agenda política depois de 18 anos adormecido. Recordemos, por isso, os principais momentos:
2016: O país preparava-se para receber um novo presidente: Marcelo Rebelo de Sousa, que tinha tido um papel-chave no processo que conduziu ao chumbo no Referendo de 1998.
2018: A Assembleia da República criou uma comissão independente para estudar a descentralização. O objetivo era “promover um estudo aprofundado sobre a organização e as funções do Estado”. O documento que resultou do trabalho de técnicos e especialistas de todo o país mostra que existe uma clara associação estatística entre desenvolvimento e descentralização.
2021: Marcelo Rebelo de Sousa trazia a Regionalização de volta ao debate político ao mencionar o tema no discurso que fez no congresso da Associação Nacional de Municípios. No mesmo ano, António Costa e Rui Rio assinavam um compromisso para um referendo em 2024 e para uma possível revisão constitucional para alterar as regras da auscultação da população e, assim, facilitar o processo.
2022: Na campanha para as eleições legislativas antecipadas o PS assumia o compromisso da Regionalização no programa eleitoral. Ao mesmo tempo Rui Rio, líder do PSD, confirmava uma mudança de direção na posição do partido. Apesar de não assumir a Regionalização como tema prioritário no manifesto eleitoral, Rio pronunciava-se favoravelmente à hipótese de um referendo.
Já depois das eleições de 30 de janeiro, que acabariam por dar uma maioria absoluta ao Partido Socialista, os sociais-democratas apresentavam um novo projeto de revisão constitucional, da autoria do então líder da bancada parlamentar Paulo Mota Pinto. O documento sugeria uma simplificação do referendo, ao eliminar a obrigatoriedade da participação da maioria do universo eleitoral. A questão é que a revisão era apresentada ao mesmo tempo que o Rui Rio pedia a demissão, na sequência dos maus resultados das eleições legislativas. O então presidente do PSD deixava assim uma certeza: se um dos dois candidatos às eleições diretas não concordasse com as propostas apresentadas, a proposta de revisão seria retirada, tal como acabou por acontecer. Na campanha para as diretas, Luís Montenegro dizia que a discussão da regionalização “era extemporânea”. Uma posição que se mostrava como um prelúdio da decisão que apresentou no 40º Congresso do PSD.