Mercado de São Sebastião, o último ponto de comércio tradicional na Sé do Porto
Ana Francisca Gomes
“Vim ver a resistência”, responde Carlos, entre risos, quando lhe perguntam o que o traz até ao Mercado de São Sebastião, no Porto. Quem vê a infraestrutura de fora, chega mesmo a pensar que estará abandonado. Plásticos improvisados tapam as grades para proteger as comerciantes do frio e gatos de rua estendem-se ao sol nas imediações.
A estrutura física, como hoje a vemos, terá nascido na época de 1990, mas o mercado junto à Sé é bem mais velho do que isso. Aquele que agora conhecemos é, na verdade, herdeiro de um dos mais antigos centros de comércio da cidade do Porto: o antigo Mercado de Levante da Rua Escura. Este mercado ambulante, que ladeava a Sé, estendia-se pela Rua Escura e também pela Rua de S. Sebastião, e nele foram sendo progressivamente instaladas barracas provisórias.
Agora, já instaladas em bancas de cimento e metal, restam apenas cinco comerciantes. No dia em que o Porto Canal visitou o espaço, dessas cinco encontrou apenas três. “Tínhamos aqui uma colega, mas no Natal foi para França para o filho, e ainda não voltou”, esclarece-nos uma das vendedoras. A quinta colega, explica, é vendedora de flores, mas “só costuma vir três dias por semana”.
No entanto, o ambiente nem sempre foi assim.
“Éramos muitas [vendedoras], isto estava cheio! Tudo mulheres”. Maria Oliveira Carvalho não consegue precisar o número de vendedoras que o mercado teria pela altura em que foi construída a estrutura física do espaço, mas pelas suas contas de cabeça seriam perto de 30, sem contar com as bancas de peixe.
Maria, ou “Maria Comunista” como todos a conhecem, conta já com 84 anos, sendo cinco décadas desses passadas a vender fruta e legumes no mercado. Não esconde de ninguém as suas orientações políticas - faz, aliás, questão de mostrar o seu cartão de militante do Partido Comunista - nem as suas opções clubísticas. “Os turistas estão sempre a tirar fotos a isso”.
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“Mataram a Sé”
O mercado mantém-se aberto nas manhãs de terça a sábado, mas pouca gente aparece por lá. Pela forma como se comportam, é fácil perceber que muitos são turistas.
Um casal jovem entra e vai, devagar, até à banca da fruta. Estão com um ar curioso, como quem vai à procura de entender que espaço é aquele, escondido entre S. Bento e a Sé. Acabam por levar apenas duas maçãs.
“Há uns anos começou a vir o turismo, a encher as casas, começou a freguesia a tirar daqui as minhas freguesas”, recorda a comerciante.
Segundo o Regulamento Municipal para o Crescimento Sustentável do Alojamento Local (AL), que tem em conta os fogos disponíveis para habitação permanente ou arrendamento de longa duração e os estabelecimentos disponíveis para AL, o rácio na freguesia da Sé é de 44,1%.
“A gente do turismo não consegue viver”, denuncia a comerciante. “Eles compram uma ou duas peças [de fruta], e muitos vêm cá só ver. Se a gente está à espera do turismo … não vai a lado nenhum”.
São as freguesas conhecidas destas mulheres que “ainda mantêm" o mercado em pé.
É exemplo disso Maria José, de 64 anos. “Eu prefiro comprar aqui no mercado para ajudar as minhas vizinhas”, partilha, enquanto agarra num molho de grelos. “Mais vale dar-lhes a elas do que a quem já tem muito”.
Assim que se começa a recordar daquilo em que foi em tempos aquela zona da cidade, “Zeza” é incapaz de esconder o tom de revolta na voz. Descreve que não tem muitos sítios tradicionais ou mais pequenos onde possa fazer as suas compras na zona. "São só hipermercados aqui à volta, com preços elevados”.
Apesar de na altura ter surgido como um importante dinamizador comercial e social da Sé, agora o espaço está quase vazio e é um dos últimos pontos de comércio tradicional na zona.
“Começaram a tirar as pessoas daqui, a Sé morreu”, lamenta Zeza.
O mesmo é corroborado por Rosa, que vive perto e passa pelo mercado. “Aqui, nesta freguesia, eram umas dez mercearias. Agora à volta não há nada, não sei como fizeram isto”.
“Até sinto aqui uma coisa quando passo por cá e penso no que isto era”, lamenta, com as mãos a esfregar o peito, a mulher de 89 anos.
Mas não é só no turismo e no envelhecimento da população da freguesia que Maria Comunista encontra uma justificação para a falta de pessoas a parar no mercado.
“Isto está assim por causa da droga, por causa do mau ambiente”, atira.
O mercado esteve para ser reabilitado em 2019, pela junta da União de Freguesias do Centro Histórico, que recebeu uma verba de 75 mil do orçamento colaborativo da câmara. A reabilitação não foi feita e há meio ano, a 3 de outubro de 2022, a Assembleia Municipal do Porto aprovou revogação do contrato interadministrativo celebrado com freguesia, marcando o regresso deste equipamento à gestão da autarquia.