Noronha Nascimento cessa mandato no Supremo marcado pelas escutas de Sócrates
Porto Canal
O juiz conselheiro Noronha Nascimento cessa funções como presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) na quarta-feira, concluindo um mandato de seis anos marcado pelo episódio das escutas que envolveram o primeiro-ministro José Sócrates.
Na hora da despedida, Noronha Nascimento, que decidiu, por vontade própria, antecipar a sua jubilação para seis meses antes de atingir o limite de idade (70 anos), deixou uma imagem de discurso radical, muitas vezes gerador de controvérsia.
Nunca filiado em partidos políticos, o também presidente do Conselho Superior da Magistratura por inerência, que abraçou a carreira de juiz para fugir à Guerra Colonial, usou sempre um discurso frontal, "mesmo que as pessoas não gostem".
Anos antes de ser eleito como quarta figura do Estado, em setembro de 2006, surpreendera no VI Congresso dos Juízes, em Aveiro, em 2001, com o aviso de uma "nova autocracia mediática" e apresentou sugestões para controlo e punição dos jornalistas.
Pertencente à ala conservadora dos juízes, Noronha Nascimento, habitual citador de grandes pensadores nos discursos, voltou a defender a criação de um órgão com poderes disciplinares efetivos sobre os jornalistas na Abertura do Ano Judicial, em dezembro de 2009.
Em pleno verão desse ano, o então procurador-geral da República, Pinto Monteiro, remeteu para apreciação do STJ registos de escutas telefónicas entre Sócrates e Armando Vara, constituído arguido no "Face Oculta", processo de alegada corrupção e outros crimes económicos que continua em julgamento.
Em dezembro de 2009, Noronha Nascimento referiu que as 11 escutas envolvendo José Sócrates que apreciou não apresentavam qualquer "ilícito penal" e criticou o juiz de intrução do tribunal de Aveiro por as ter "valorado".
No terceiro e último despacho, em janeiro de 2010, o presidente do STJ confirmou que os registos deviam ser destruídos por "afetarem direitos e liberdades das pessoas envolvidas".
Segundo o semanário Expresso, as referências a Noronha Nascimento na Internet fixam-se em 2,3 milhões, a maioria relacionada com comentários sobre o processo "Face Oculta" e a decisão da destruição de escutas que envolviam Sócrates.
Mais recentemente, Noronha Nascimento voltou a ser confrontado com escutas envolvendo outro chefe do Governo, Pedro Passos Coelho, e o presidente do BES Investimento, José Maria Ricciardi.
Desta feita, a decisão do presidente do STJ foi distinta: validou-as, por entender serem importantes em termos de investigação que ainda decorre no processo "Monte Branco", rede de branqueamento de capitais e fraude fiscal.
Também a crise económica e financeira tem sido referida por Noronha Nascimento com duras críticas aos "parasitários, especuladores imobiliários e financeiros".
Em entrevista recente ao Expresso, referiu que se está "a assistir à destruição lenta da coesão social" e disse que teme "o reaparecimento da velha Prússia", referindo-se à hipótese de uma Europa federada pretendida pela Alemanha para controlar o Velho Continente.
Os políticos também não escaparam, com o juiz conselheiro a declarar que "os partidos tornaram-se máquinas políticas, alimentadas a dinheiro", frisando que há "assessores ministeriais com vinte e poucos anos a ganharem mais do juízes de tribunais superiores e de comarca".
É este homem que deixa de ser a quarta figura protocolar do Estado e que já admitiu que não vai apoiar o seu sucessor para mandato de cinco anos, que poderá ser um dos atuais vice-presidentes - Orlando Afonso ou Henrique Gaspar.
Noronha Nascimento, que diz que o sistema judiciário "assemelha-se a um elefante", encerra um percurso de mais de 40 anos na magistratura e deixa o Terreiro do Paço para se fixar em Cinfães, numa casa que tem numa encosta do rio Douro.