Ex-funcionário de consórcio alemão diz que só houve lóbi e não corrupção no caso dos submarinos
Porto Canal
Um ex-funcionário do consórcio alemão que forneceu submarinos a Portugal garantiu hoje só ter havido lóbi, rejeitando qualquer ato de corrupção, apesar de ter obtido um acordo com a justiça germânica que o acusava de crimes do género.
O antigo responsável pela divisão naval da empresa Ferrostaal Hans-Dieter Mühlenbeck esperou mais de uma hora na Comissão Parlamentar de Inquérito aos Programas de Aquisição de Equipamentos Militares (aeronaves EH-101, P-3 Orion, C-295, F-16, torpedos, submarinos U-209 e blindados Pandur II) devido à demora do comissão, presidida pelo democrata-cristão Telmo Correia, em conseguir arranjar um tradutor para o depoimento.
"Há pessoas que acreditam que isto tem a ver com corrupção de pessoas portuguesas. Não foi o caso. Não havia nada de mal em, tendo alguém que conhecesse Portugal e a sua indústria, apresentar o nosso caso e defender a nossa posição para sermos os fornecedores escolhidos. Essa pessoa, que era um cidadão alemão, teria de ser paga, obviamente. De acordo com a legislação alemã, ele foi considerado funcionário público e assim impedido de celebrar este tipo de acordo de prestação de serviços", defendeu, referindo-se ao ex-consul-honorário de Portugal em Munique, Jurgen Adolff, exonerado pelo Governo luso em 2010 e ainda sob investigação na Alemanha por ter recebido 1,6 milhões de euros para facilitar contactos com decisores portugueses.
Segundo Mühlenbeck, "o Ministério Público alemão pressupôs que Adolff era funcionário governamental português e, portanto, estaria enquadrado na lei anticorrupção alemã", manifestando-se contra tal posição. Para o antigo funcionário da Ferrostaal, Adolff fazia lóbi, "juntando a indústria alemã a Portugal e garantindo acesso a decisores públicos por causa da sua posição".
"Arranjou uma reunião ao almoço com (Durão) Barroso (então primeiro-ministro), para obter o seu apoio neste projeto (de venda dos submarinos). A (Paulo) Portas (então ministro da Defesa), apanhou-o no aeroporto e levou-o ao hotel. Durante a viagem de carro, ter-lhe-á dito que este projeto era positivo e pediu o seu apoio também É tudo o que sei, através dos autos e do que me foi contado", descreveu o antigo responsável da empresa germânica do setor metalúrgico.
Mühlenbeck frisou que, "em momento algum", confessou a prática de "subornos ou corrupção de qualquer pessoa ou funcionário público em Portugal", no âmbito do acordo judicial na Alemanha.
"Não houve quaiquer projetos fictícios. Não houve espaço para que se pudesse fazer isso. Todos os procedimentos de adjudicação, no fornecimento de submarinos ou na vertente de contrapartidas, era tão regulada que não havia espaço para falhas ou negócios paralelos. Nego veementemente", garantiu, quando questionado sobre alegadas justificações falsas de contrapartidas por parte de empresas portuguesas pelo deputado comunista Jorge Machado.
Sobre outros factos, o ex-gestor alemão lamentou não poder esclarecer as dúvidas dos grupos parlamentares devido ao facto de os mesmos se reportarem ao período depois de se ter reformado, em junho de 2003, pois "os contratos foram assinados em abril de 2004 e entraram em vigor em outubro de 2004".
Já depois de o deputado do CDS-PP, Filipe Lobo d'Ávila, ter inquirido a testemunha, invocando motivos de força maior para ultrapassar a ordem de questionamento estabelecida, o coordenador do BE João Semedo invocou a falta de quórum e da relatora da comissão, a social-democrata Mónica Ferro.
"Sem quórum e com a relatora ausente, espero que a maioria, depois, não invoque esses motivos para contestar as conclusões", desejou.
Telmo Correia, perante os argumentos de Semedo, que recorreu ao regimento para esclarecer que as comissões têm de funcionar com mais de metade dos seus membros efetivos, decidiu interromper os trabalhos por uma hora, pedindo aos grupos parlamentares para colaborarem.
Semedo destacou que entre a maioria, PSD e CDS-PP, apenas tinha ficado um deputado na sala 06 da Assembleia da República.
O processo de aquisição dos navios, seguindo a Lei de Programação Militar de 1993, ainda Cavaco Silva era primeiro-ministro, foi preparado por sucessivos governos, incluindo os dois minoritários de António Guterres. A decisão de compra aconteceu em setembro de 2003, com o Governo, liderado por Durão Barroso e com Paulo Portas na pasta da Defesa, a optar pela proposta germânica em detrimento da francesa.
O negócio suscitou dois processos judiciais - um centrado nas contrapartidas da aquisição dos submarinos aos alemães, que culminou na absolvição em primeira instância de todos os arguidos, outro, relacionado com o negócio da compra e venda do equipamento, ainda em investigação no Ministério Público. Na Alemanha já se verificaram condenações por crimes de corrupção e tráfico de influências.
Os submarinos portugueses Tridente e Arpão, começados a construir na Alemanha em 2005, custaram até agora ao Estado português mais de mil milhões de euros, embora houvesse a previsão de 100% de contrapartidas. O primeiro destes navios foi entregue à Armada lusa em 2010.