Serralves expõe "sal que dava sabor" à Democracia de Mário Soares
Porto Canal/Agências
O sal que para Mário Soares “conserva, dá sabor, mas também faz arder” a Democracia vai estar em exposição na Casa de Serralves, no Porto, numa mostra dedicada à Cultura e ao ex-Presidente da República.
Em declarações à Lusa, José Manuel dos Santos, um dos curadores da exposição “O Sal da Democracia — Mário Soares e a Cultura”, esta quinta-feira inaugurada no âmbito das comemorações do centenário do nascimento de Mário Soares, permite que através de livros, manuscritos, correspondência, dedicatórias e obras de arte se conheça “a personalidade e os gostos” do ex-chefe de Estado, mas também “os gostos de várias gerações: a dele, a de antes dele e a depois dele”.
“A Cultura é o sal que vem do exercício do espírito crítico, do exercício da criatividade, da descoberta, da proposta do novo, isso é que faz com que a Democracia não estagne, não fique sem sabor, não se torne insípida. Mário Soares dizia que para ele a Cultura era o Sal da Democracia”, explicou.
Segundo José Manuel dos Santos, antigo assessor cultural de Mário Soares, para o também ex-primeiro-ministro, que faria 100 anos sábado, “a Cultura e a luta pela Liberdade eram inseparáveis”.
“Ele teve mestres, durante a sua formação juvenil, como o Agostinho da Silva, que eram grandes figuras intelectuais e ao mesmo tempo grandes figuras cívicas que lutavam contra a ditadura e pela Liberdade e isso teve reflexo na sua formação cultural, mental e até mesmo psicológica e politica”, apontou.
Nesta exposição, essa “ligação indissociável entre a Liberdade e a Cultura” que Mário Soares defendia “é revelada”, mostrando “uma faceta menos conhecida” do ex-Presidente: “É a faceta do homem que viveu toda a vida rodeado de livros. Aqueles que ele colecionava, aqueles que lhe davam, aqueles que ele escrevia”.
“Rodeado e cercado porque era fisicamente cercado. Quando se ia lá a casa dele, havia livros por todo o lado, havia uma espécie de luta entre a senhora que trabalhava lá e que queria arrumar a casa e ele a querer pôr mais livros, mais jornais e revistas em todo o lado”, confidenciou José Manuel dos Santos.
Em Serralves, vai ser possível ver a atividade de autor de Mário Soares e o “espírito aberto e curioso” daquele que José Manuel dos Santos considerou ser um “gourmet de literatura”.
“As escolhas dependiam das horas do dia, da disposição. Por exemplo, ele achava que o Camilo era muito bom para gripes, romances cheios de calor e de drama”, lembrou.
Em “O Sal da Democracia — Mário Soares e a Cultura” é possível conhecer algumas “obras especiais” da coleção de Mário Soares: “Ele colecionava mas não para ter em depósito, era para usufruir. Era uma alegria para ele encontrar uma coisa dum autor que ele adorava”.
“Temos aqui Camilo e Eça, primeiras edições, que eram dois escritores que ele adorava, temos, por exemplo, a primeira edição da “Mensagem” com uma dedicatória do Fernando Pessoa, a primeira edição da “Madame Bovary”, a primeira edição do “Contrato Social” do Rousseau, temos as primeiras edições das obras fundamentais do Eça, do Camilo, como uma primeira edição de “Amor de perdição, também raro”, salientou.
Mas para José Manuel dos Santos, há “outra coisa”, algo “que era fundamental” para Mário Soares, “quase tanto ou ainda mais” do que as obras em si: “A amizade com os autores, com os artistas, era um dos grandes prazeres da vida dele”.
E por onde começaria Mário Soares a visitar a exposição? “Provavelmente iria direto às primeiras edições do Eça e do Camilo”.
“Depois com uma mão segurava a “Mensagem” e com a outra apontava para as tapeçarias magníficas de Almada Negreiros”, imaginou.
“O Sal da Democracia — Mário Soares e a Cultura”, com curadoria de José Manuel dos Santos e Pedro Marques Gomes, vai estar patente até 01 de junho e integra o programa de celebração dos 100 anos de Mário Soares, que foi primeiro-ministro por três vezes (1976/1978, 1978, 1983/1985) e chefe de Estado entre 1986 e 1996.
Os cem anos do nascimento der Mário Soares vão ser formalmente assinalados numa sessão na Fundação Calouste Gulbenkian que contará, além das intervenções do ex-primeiro-ministro socialista e de Marcelo Rebelo de Sousa, com um discurso do Presidente da República de Cabo Verde, José Maria Neves.