“Não estamos mortas”. Histórica Cafezeira teme futuro mas não vira cara à luta
Fábio Lopes e Maria Leonor Coelho
O aroma a café confunde-se com os ares de incerteza que rodeiam o número 52 da Rua de Costa Cabral, no Porto. A mercearia Cafezeira vive tempos de indefinição, uma vez que o prédio onde se encontra está à venda. Com 95 anos de história, a aclamada loja, que se notabilizou pela venda de café, chá e especiarias a granel, está certificada pela Câmara do Porto até 2027. Até lá procura nova morada, numa corrida contra o tempo.
A fachada e a montra do edifício fazem antever a histórica mercearia que habita junto à Praça do Marquês de Pombal, no coração da Invicta. Os últimos tempos têm sido conturbados, perante a ameaça de um feroz mercado imobiliário, mas que em nada abala o otimismo e a força de vontade de Alcinda Dias, responsável por gerir o negócio da mãe, que com o marido comprou a Cafezeira em 1985 ao dono original.
“Estamos vivas”
“Nós estamos aqui, estamos vivas e enquanto pudermos, estaremos aqui vivas e continuaremos a manter a tradição”, vinca a responsável, não descurando as dificuldades sentidas e a sensação de incerteza permanente.
“Tem sido uma espada em cima da nossa cabeça esta situação de ter que sair, para onde sair, como o fazer... A minha questão é realmente encontrar soluções que me permitam que a loja permaneça, porque a ideia é a loja continuar”, recusando a ideia de uma morte anunciada.
Um braço de ferro entre “um negócio familiar”, cujo início remonta a 1929 ainda com outro nome – o Chinêz e um senhorio, proprietário também de dois prédios contíguos herdados há quatro gerações, que mantém a firme ambição de desocupar e vender o prédio.
A intenção foi manifestada há quase dois anos, tendo decorrido conversações entre ambas as partes, mas sem consenso alcançado.
A resiliência de Alcinda Dias, que recusa a ideia de pôr fim ao negócio, tem esbarrado contra os “preços astronómicos” com que se tem duelado, que têm galopado descontroladamente e que têm vitimado muitos espaços pela cidade que não resistiram à força do tempo.
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O sentimento de pertença e de luta invade, igualmente, Maria da Conceição, de 82 anos, e que dedicou mais de três décadas da sua vida à Cafezeira, antes de passar o testemunho para a sua filha. Agora mais distante, acompanha ainda atentamente o negócio, que sempre foi o seu “sonho”.
“Estive 30 e tal anos aqui, eles também não podem chegar aqui e empurrar ninguém para a rua”, atira, reforçando que “aqui, ali ou acolá” irão “fazer todos os esforços tudo o que estiver ao nosso alcance” para manter a quase centenária mercearia.
Clientes mostram apreço pelo quase centenário negócio
Um balão de oxigénio, perante a conjuntura adversa, tem sido a onda de apoio demonstrada por pessoas e clientes, que não indiferentes, fazem sugestões de todo o tipo porque não querem ver a loja a fechar portas.
“Tem havido muito interesse por parte das pessoas, espaços que vão vendo, ideias que vão tendo, essa onda de solidariedade enche-me o coração”, frisa Alcinda Dias, apontando que a Invicta tem perdido a sua essência.
“O turista vem para conhecer estas coisas, o que é antigo, o que é a raiz da nossa cidade, estão a permitir que haja esta descaracterização”, aponta.
A proprietária da mercearia classificada pela Câmara do Porto diz estar fora de questão fechar, contudo sublinha a dificuldade em conseguir encontrar um espaço com renda compatível e nas imediações do Marquês, tendo em conta a clientela fiel que tem, habituada a um serviço de proximidade.
“O serviço de proximidade existe, a questão do café tem a ver com o facto de o nosso público-alvo ser um público muito antigo. Ou seja, vai dos 55 anos para diante. O nosso cliente é local, nós somos uma loja familiar e local. Quem nos consome são pessoas daqui”, refere.
Apesar do estatuto de “espaço protegido” atribuído à Cafezeira pelo programa “Porto de Tradição”, desde 2022, o caso poderá ganhar outros contornos após 2027, quando poderá ser aplicado o Novo Regime de Arrendamento Urbano. O dono do prédio prefere que a loja esteja desocupada, o que coloca em risco a continuidade da mercearia no local.
Como o jornal Público avançou, o senhorio já submeteu um pedido de informação prévia (PIP) na Câmara do Porto a dar conta do novo projeto que ali poderá nascer, prevendo a existência de espaços comerciais no rés-do-chão dos dois imóveis, como já existe agora.
Contactada pelo Porto Canal, a proprietária do edifício não quis comentar o futuro do imóvel.
Tempos de incerteza e uma incessante busca por alternativas marcam o ritmo da Cafezeira que luta pela vida, sem atirar a toalha ao chão.
“Antes dizíamos que era a Cafezeira de Costa Cabral, agora não posso dizer isso, sou só a Cafezeira, porque eu não sei o dia de amanhã”, conclui Alcinda Dias.
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