FNAC de Santa Catarina fecha esta segunda-feira. A história do emblemático Edifício Palladium com quase 100 anos de existência

FNAC de Santa Catarina fecha esta segunda-feira. A história do emblemático Edifício Palladium com quase 100 anos de existência
Pedro Benjamim | Porto Canal
| Porto
Alexandre Matos e Fábio Lopes

Com o fim de setembro, cai mais uma loja histórica na Baixa do Porto. A FNAC de Santa Catarina, apesar de ser uma loja de uma empresa multinacional, era um marco importante no comércio da cidade e fecha portas em definitivo esta segunda-feira. O Edifício Palladium, com uma história de quase 100 anos sempre ligado ao comércio e indústria, vai agora acolher a primeira loja da Primark no concelho do Porto.

 
 
 
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Numa das zonas mais movimentadas e turísticas do Porto, há um edifício que se destaca. “Falar do Palladium é falar de um dos mais geniais arquitetos portugueses, o portuense Marques da Silva”, diz Joel Cleto, historiador especializado na cidade do Porto.

José Marques da Silva foi um dos mais influentes arquitetos do final do século XIX e início do século XX na cidade. Muito inspirado pela sua educação e vivência em Paris, traz ao Porto projetos como a Estação de São Bento, o Teatro Nacional São João, o Liceu Alexandre Herculano, a Casa de Serralves e, na altura, os Armazéns Nascimento - hoje conhecidos como Edifício Palladium.

Na esquina entre a Rua de Santa Catarina e Rua de Passos Manuel, o prédio apresenta uma das fachadas mais emblemáticas da cidade e um relógio que, de três em três horas, deixa todos que por lá passam parados - hoje em dia com telemóveis ou câmaras fotográficas em riste. Quatro das figuras mais emblemáticas da cidade do Porto - São João, Infante D. Henrique, Almeida Garrett e Camilo Castelo Branco -, mostram-se à cidade ao som das badaladas do carrilhão.

Mas a colocação do relógio no edifício é bem posterior à construção do mesmo, cuja história remonta ao início do século XX.

Grandes Armazéns Nascimento

A ideia para a conceção do imóvel partiu de António Nascimento, um grande industrial de madeiras com uma fábrica no Freixo. Sendo intitulado por muitos na altura, como relata Joel Cleto, o maior fabricante de móveis de toda a Península Ibérica, sentia que precisava de uma montra, um “armazém bem ‘chique’ no centro do Porto”, diz o historiador.

António Nascimento contrata então Marques da Silva, à data já um reputado arquiteto com obra feita na cidade, que apresentou um primeiro projeto para os Grandes Armazéns Nascimento em 1914.

Mas o edifício será apenas inaugurado em 1927, com António Nascimento a falecer antes de poder ver o seu sonho a ser erguido.

Segundo conta Joel Cleto, um incêndio de grandes dimensões consumiu a fábrica Nascimento em 1934, com os descendentes a sentirem grandes dificuldades para recuperar dos danos financeiros.

Em 1939 a empresa acaba mesmo por fechar, com ela também os Grandes Armazéns Nascimento.

Café Palladium

A partir de 1940 nasce o café que acabaria por dar nome ao edifício até aos dias de hoje. O “luxuoso e histórico” Café Palladium, como descreve Cleto, foi pioneiro na cidade. Um local de convívio das elites portuenses, era considerado o maior café não só da cidade e país como também de toda a Península Ibérica.

O espaço era caracterizado pelo seu ar cuidado, com a decoração ‘Art déco’ da responsabilidade do arquiteto Mário de Abreu. Dividido em quatro pisos, no rés-do-chão funcionava o café e o restaurante, no primeiro andar ficava uma sala de jogos, onde eram famosos os torneios de xadrez e palavras cruzadas. Subindo ao segundo piso, havia um conjunto de salas destinadas à prática do snooker e do bilhar, enquanto que no último pavimento existia uma área de música e espetáculos.

O Diário de Lisboa escrevia, à altura, que “o Palladium é uma instalação de luxo, conforto e bem-estar e consegue ser ao mesmo tempo salão de chá, restaurante e café”.

O Café Palladium manteve-se aberto por 34 anos, encerrando em 1974.

Galerias Palladium

Após o encerramento, nasce no edifício um pronto-a-vestir com o mesmo nome. As Galerias Palladium ocuparam o espaço deixado pelo café durante a segunda metade dos anos 70 e grande parte dos anos 80 do século XX.

E é precisamente neste período que surge o emblemático relógio do Edifício Palladium. As quatro personalidades lá representadas são quatro das maiores figuras da cidade do Porto.

São João é o santo mais popular da cidade. Apesar de não ser o santo padroeiro do Porto, isso não impediu que fosse o santo mais celebrado, com as grandes festas da cidade a acontecerem precisamente na celebração de São João, na noite de 23 para 24 de junho, “a noite mais longa do ano” na cidade.

Já o Infante D. Henrique é considerado por muitos, diz Joel Cleto, “o portuense mais conhecido de todos os tempos”. Filho da Rainha Filipa de Lencastre, o Infante D. Henrique foi um nome incontornável quando se fala no início da era dos Descobrimentos. Dirigiu, no Porto em 1414, os trabalhos da construção da frota que um ano depois tomou a Ceuta.

Outra das figuras representadas é Almeida Garrett, um dos mais famosos romancistas portugueses. Nasceu no Porto, apesar de ter crescido depois em Gaia. Regressa à cidade aquando do Cerco do Porto, entre 1832 e 1833, para fazer parte do Exército Libertador de D. Pedro IV, que assegura o definitivo triunfo de um regime assente numa Constituição e num Parlamento. Até hoje perdura a famosa descrição que Almeida Garrett fez sobre o cerco: “Na minha cidade há muito quem troca o b pelo v, mas são muito poucos os que trocam a liberdade pela servidão”.

A última é Camilo Castelo Branco. Nasceu em Lisboa, mas grande parte da sua vida passou pelo Porto, onde veio para estudar medicina, apesar de nunca ter finalizado o curso. Na cidade começa a sua atividade profissional, ligada à escrita, mas também a sua vida amorosa, onde se enquadra a sua grande paixão, o seu “Amor de Perdição”, com a poetisa do Porto Ana Plácido, que os levará à Cadeia da Relação, acusados de adultério. É precisamente em frente a esse edifício que está a sua mais famosa representação no Porto, com uma estátua dos dois no Largo Amor de Perdição.

C&A e FNAC

Após o fecho das Galerias Palladium, o espaço do edifício passou a ser ocupado por multinacionais. Primeiro com a C&A, que apenas abandona a famosa esquina agora com o fim de setembro, e mais tarde a FNAC, inaugurada em 2000.

“Toda essa longa história do edifício Palladium, como um ponto de referência, um ponto de encontro enquanto café, um ponto de referência comercial, estrategicamente localizado
no coração da Baixa, fez com que, ao longo das décadas, esses vários espaços, e especialmente enquanto FNAC, se tenha transformado também num sítio de encontro”, diz Joel Cleto.

O historiador lembrou também o “próprio bar da FNAC, mantendo essa tradição de café do imóvel” e as “iniciativas culturais”.

Esse ponto de encontro era, para Joel Cleto, “para os mais velhos no Palladium, para os mais novos na FNAC”. Mas depois desta segunda-feira, a história será outra.

O futuro do Edifício Palladium passará pela multinacional Primark, com data de abertura ainda incerta.

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