Crença e fruição de mãos dadas. Eis a Capela do século XIX convertida em winebar no Porto
Fábio Lopes
A escassos metros do Jardim do Carregal, em plena baixa da Invicta, destaca-se na silhueta portuense um centenário edifício que, desde 2016, está de portas abertas para todo e qualquer amante de vinho. Eis o Capela Incomum que, de um antigo espaço de culto do século XIX, foi reconvertido num templo de fruição, para surpresa de forasteiros e locais.
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Um novo conceito na cidade
Na pulsante Baixa do Porto, surgem em catadupa novos espaços de restauração, alargando a oferta de bares e palcos de dança quase até o nascer do sol. Mas desde fevereiro de 2016 que há um com a missão de ‘converter’ quem lá entra ao culto do vinho.
“O que torna este espaço especial e diferente dos restantes encontrados aqui no Porto é que o bar é realmente construído dentro de uma capela que foi construída no início
do século XIX, de que também faz parte o palacete que está aqui ao lado”, vinca Carlos Fonseca, funcionário há mais de um ano da emblemática casa portuense.
Se o exterior remete para um antigo local de culto outrora abandonado, com a cruz no topo em plano de destaque, o interior assegura-nos de que não é necessário benzermo-nos à entrada.
Sem culto religioso há mais de meio século, esta capela laica mantém ainda a traça do edifício anterior: o teto demarca-se com os vitrais que iluminam a sala, que vai enchendo à medida que a noite vai irrompendo.
O vistoso altar de madeira relembra a outra vida que o edifício já teve e as paredes vermelho sangria, o desnível entre as três salas e as vigas de madeira conferem-lhe um tom ancestral, que capta a atenção de miúdos e graúdos, a par das fotografias a preto e branco de vindimas, que ‘pintam’ as paredes da antiga Capela.
“Acho que é super interessante quando as pessoas chegam cá e percebem que isto realmente era uma capela. O vinho, o sangue de Cristo acho que é interessante ter um pouco dessa outra realidade”, sublinha Carlos Fonseca.
Raízes do centenário edifício
A capela foi edificada pelo 1º Visconde de Vilarinho de São Romão, que viveu entre 1785 e 1863, renascendo há oito anos como winebar pela mão de Francisca Lobão, designer de interiores ligada a projetos de enoturismo em adegas de quintas da Região dos Vinhos Verdes.
Foi precisamente este o caminho que a guiou até à Capela Incomum localizada a poucos metros do Hospital de Santo António, no coração portuense, desvendando uma ligação surpreendente: “António Teixeira de Girão era, para além de visconde, um especialista em agricultura e vitivinicultura, tendo escrito várias obras ligadas ao tema e senti que o conceito teria de estar ligado a essa história”, defende Francisca Lobão.
Após deixar-se encantar pelo espaço, que começou por ser um atelier, recuperou o imóvel, e até chegou a contactar a Igreja Católica para certificar-se da viabilidade da sua ambição.
Consultou um padre para saber se o local, onde não havia atividades religiosas há mais de 50 anos, ainda teria algum tipo de culto associado, procurando saber, posteriormente, como se desafeta o culto de uma capela.
De portas abertas das 16h às 24h às terças e quartas e até às 2h de quinta a sábado, a especialidade da Capela Incomum são os petiscos, da morcela ao chouriço assado na mesa, às tábuas de queijos e aos enchidos, acompanhado de vinhos nacionais. O Douro, como é habitual a norte, é o privilegiado da lista. Tudo isto acompanhado num embalo de música jazz.
“Comecei a visitar a Capela Incomum antes de morar em Portugal. Nós somos da Califórnia e cá há uma cultura de vinhos também. Mas agora que estou a morar em Portugal, prefiro beber o vinho português”, enfatiza Rafael Carril a morar em solo luso há já cinco anos.