Homofobia esconde-se nas ruas do Porto mas é protagonista nas redes sociais
João Nogueira e Maria Abrantes
Pela primeira vez, e no aniversário dos 50 anos da liberdade em Portugal, a Câmara do Porto deu um passo, aplaudido por uns e criticado por outros. A fachada dos Paços do Concelho iluminou-se, na véspera desta sexta-feira, com a bandeira LGBTQIA+, para assinalar o Dia Internacional contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia. Mas entre progressos e uma luta que não se faz apenas no mês de junho, o preconceito ainda existe e persiste? Os portuenses respondem.
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A fachada da Câmara do Porto iluminada com as cores do arco-íris foi amplamente criticada nas redes sociais, mas aqueles que aceitaram falar com o Porto Canal sobre o tema acolheram a iniciativa de bom grado e como um passo de progresso para a aceitação das diferenças.
“Quando fui buscar o meu namorado ao cabeleireiro, insultaram-me, chamaram-me paneleiro bonito”. Minutos antes de falar com o Porto Canal, ngelo Castro, de 21 anos, vivia mais um dos frequentes episódios de homofobia.
No que toca ao preconceito, Patrícia Lopes não duvida: “Vivemos num país muito pequenino. De mentalidades pequenas”. Aos 48 anos, a portuense acredita que “somos livres de voar” e que é importante estar aberto a novas realidades. Prova disso é uma experiência própria, dias atrás, numa ida ao Cinema Sá da Bandeira, onde assistiu a uma revista sobre monogamia: “Fiquei encantada”, admite.
A aceitação da diferença é um tópico quente que cruza gerações. Entre os mais antigos há quem se demarque e perentoriamente se recuse a falar do tema, rotulando-o de “não conversa”. Outros deixam para trás as “vestes antigas” e abraçam o progresso. Manuel Alegre, economista de 75 anos, garante ao Porto Canal que não acredita que vivamos num país muito homofóbico, apesar de admitir que o preconceito existe.
“A política é o veículo mais importante para a mudança”
Junho é o mês do orgulho gay e um dos discursos mais frequentes é o de que as entidades, os partidos políticos, as empresas e as comunidades se aproveitam da causa como uma “jogada de marketing” para aumentar a aceitação e carinho entre o público.
O jovem João Pereira não duvida que “a política é o veículo mais importante para a mudança”. Contudo, o tema não é tão simples quanto parece. “Eu acho que a política não leva muito a sério o assunto tratado. Acho que, as multinacionais e empresas, pegam muito na mensagem, pegam na simbologia, muito para estarem ali. ‘Nós pertencemos à causa. Nós queremos ajudar’. Mas efetivamente, medidas tomadas, legislação feita, eu não estou a ver isso”, sublinha João.
E a recente iniciativa da Câmara do Porto, de projetar a bandeira LGBT na sua fachada, foi muito comentada entre portuenses. Gonçalo Costa aplaude o ato e sublinha o mais importante: “Não se puseram à frente da rua a forçar as pessoas a ver a mensagem. Foi algo que ficou em público. Quem quiser olhar, que olhe. E quem quiser apoiar, que apoie. Sou a favor da inclusão. É uma homenagem bonita a quem é diferente”.
Mas são vários os argumentos que sustentam as opiniões contra as iniciativas LGBTQIA+, sendo disso exemplo as marchas. “Ainda há muito a ideia de que as pessoas hétero também têm direito ao seu orgulho hétero. Quando nós não vivemos a mesma situação e ainda há muito por combater”, partilha Ângelo Castro.
Ao mesmo tempo, Mariana Cardoso acredita que se está a fazer um bom caminho de progresso no combate ao preconceito, mas que deve ser dinamizada mais informação e conhecimento, nomeadamente entre as pessoas mais velhas.
Manuel contesta essa posição. “Não podem todos desculpar-se por não serem capazes de criar grupos com força social para se manifestarem. Estes grupos são mais ativos, o que é natural. São grupos novos que aparecem, são mais jovens”, realça o economista.
A realidade nas escolas também é tema de discussão. Para Beatriz Pinto, de 22 anos, o ambiente académico pode ser perigoso para pessoas LGBT: “A escola pode ser um local perigoso. Pode haver ‘bullying’. Ao ver pessoas mais diferentes ou que não tenham medo de ser quem são, acho que pode afetar as pessoas que são mais conservadoras”.
Uma iniciativa que continua a não convencer
Na passada sexta-feira, a Comissão Organizadora da Marcha do Orgulho LGBTI+ do Porto (COMOP) lamentava não ter recebido um convite para a iniciativa e apelava a uma maior inclusão das organizações que trabalham anualmente pela causa.
Em 2023, milhares de pessoas ocuparam o centro do Porto na 18.ª Marcha do Orgulho LGBTI+ da cidade, lotando a Rua de Cedofeita no caminho entre a Praça da República e a Cordoaria.
O evento envolveu algumas querelas entre a organização e a Câmara do Porto. Os organizadores chegaram a entregar uma petição contra a "invisibilidade" da marcha perante a sugestão da Câmara de fazer o arraial final no Parque do Covelo, tendo também sido sugeridas as Fontainhas, mas sem apoio municipal.
O presidente da autarquia, Rui Moreira, disse que o município "não é ouvido nem achado" quanto à realização da marcha, mas "questão diferente" era a do arraial, que apenas teria apoio logístico da Câmara se fosse no Covelo.
A organização acabou por optar por acabar a marcha na zona da Cordoaria, com uma festa.
A bandeira
Criada em 1978 pelo norte-americano Gilbert Baker, a bandeira arco-íris foi evoluindo ao longo dos tempos. Em 2021, foi redesenhada para incluir a bandeira intersexo, numa proposta de Valentino Vecchietti, de uma associação que defende a igualdade de direitos da comunidade intersexo.
Por sua vez, a sigla LGBTQIA+ foi evoluindo ao longo dos tempos, englobando atualmente lésbicas, gays, bissexuais, transgénero, queer, intersexo, assexuais, bem como o + representando as demais identidades.