Renovação da Biblioteca Pública do Porto vai dar um lugar mais cómodo a um milhão de documentos
João Nogueira
A Biblioteca Pública Municipal do Porto fecha portas no início de abril e as obras de requalificação e ampliação devem arrancar em dezembro. O projeto de arquitetura foi apresentado esta sexta-feira e Eduardo Souto Moura garante que “o que é antigo, vai continuar antigo”. A empreitada representou um “enorme desafio”, declarou Rui Moreira, perante a necessidade de “resolver o problema crónico da capacidade que é agora triplicada”, elaborando sempre “algo que correspondesse às expectativas dos seus utilizadores”.
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O projeto inclui a remodelação do edifício existente e a demolição e construção de novos. O investimento da empreitada é de 26,5 milhões de euros e o presidente da Câmara do Porto estima que o prazo de conclusão será 2027, mas está suscetível a atrasos: “Sabemos quando as obras começam, não sabemos é quando elas acabam (…) Nós calculamos que custe à volta de 26 milhões e meio de euros, com os tempos que vivemos poderá ir aos 30 milhões de euros. Numa visão otimista, acreditando no tempo que está previsto, 2027, numa visão mais realista, como dizia o arquiteto Souto Moura, 2028".
As obras só deverão começar no final do ano e o encerramento, que arranca a 1 de abril, será feito de forma faseada.
A falta de espaço para os documentos foi o principal motivo de urgência das intervenções. De acordo com Moreira, o edifício “há pelo menos 30 anos que não tinha capacidade para receber sequer o depósito legal. Recebia, mas ficava todo encaixotado".
O preço inicial da empreitada rondava os 10 milhões de euros, mas viu sucessivos aumentos. Para garantir mais espaço, que é o principal problema da biblioteca, o valor era suficiente, confirmou o autarca, defendendo ainda assim que se tratava de “uma oportunidade perdida”: “Basta pensar que nós vamos escavar uma zona enorme para depósito de livros. Nós poderíamos ter reabilitado o edifício, tal como ele está, com a capacidade existente, por 10 milhões. Pareceu-nos que seria uma oportunidade perdida".
Projeto é “quase completo” afirma arquiteto
Por isso o projeto não pensa apenas a requalificação e a garantia de mais espaço para depósito. “É um projeto quase completo”, afirmou Souto Moura em declarações aos jornalistas.
O edifício existente vai ter uma nova cobertura, caixilharia e lajes de betão, “após a demolição das existentes, fundamentalmente na ala voltada para a Rua D. João IV e Avenida Rodrigues de Freitas”.
A Rua do Morgado de Mateus vai ser “cheia de movimento”, explicou o arquiteto, referindo que naquela artéria vão ser abertas as entradas para os funcionários e para as máquinas, onde será feito o controlo de entrada dos documentos, a sua desinfeção, entre outras etapas do projeto de armazenamento.
Os novos edifícios vão estar à mesma quota que os que já existem na Avenida de Rodrigues de Freitas. Naquela artéria, o arquiteto explicou que irá ser feita a entrada para o Museu da Palavra, o Museu da Música, o Café da Esquina, entre outros elementos. Além disso, está prevista a implementação de uma alameda com uma mesa anímica, destinada a atividades culturais ao ar livre, como concertos e workshops.
Ainda não estão incluídos alguns elementos nesta empreitada, mas que são igualmente importantes para remodelar aquela zona envolvente à biblioteca. Desde o claustro fechado à recuperação do mobiliário, Souto Moura acredita que no decorrer da empreitada podem ser ultimados esses detalhes.
Diretos do Jardim de São Lázaro, há uma grande quantidade de pessoas em condição de sem abrigo que entra na biblioteca: “O ambiente não é o mais agradável na cidade”, acrescentou o arquiteto.
Moreira também explicou que muitos aspetos da biblioteca não deixavam o espaço “acessível e funcional”: “Isto já não era uma biblioteca. Era em muitos aspetos, apesar do todo esforço que os bibliotecários da Câmara fazem, muitas vezes chegavam cá académicos que iam consultar livros e nós já nem se sabiam onde é que eles estavam, as coisas eram mais ou menos impossíveis".
Consulta assegurada aos investigadores
Sobre as medidas para mitigar o impacto do encerramento durante as obras, o presidente defendeu que a obra não podia avançar “com os livros lá dentro” e que se tal acontecesse, iria demorar o dobro. Acrescentou que os investigadores “podem estar descansados” que a consulta continua a estar assegurada.
“Temos uma biblioteca errante, que vai aproveitar vários espaços da cidade para que qualquer de nós, não investigador, possa lá procurar os livros que lá estão, ou encomendar um livro em ‘take-away’, que é uma coisa normal. Depois vamos ter tudo aquilo que são os periódicos, que são muito requisitados pelos investigadores. Vamos ter num espaço que já está praticamente pronto, aqui muito perto, numa escola que vocês conhecem bem, e em que as pessoas podem ir lá para esse fim. E depois todo aquele fundo histórico mais documental que vai estar na biblioteca Almeida Garrett, que também estará a funcionar em horários diferenciados”, declarou o presidente da Câmara do Porto.
A Escola Pires de Lima também vai guardar parte do acervo da biblioteca.
O arquiteto lembrou a necessidade de manter a integridade do edifício original, enquanto introduz elementos contemporâneos que se integram harmoniosamente. "É cada macaco no seu galho", afirmou Souto Moura, destacando a importância de preservar o antigo enquanto se introduzem novos elementos.
Ao abordar as mudanças na cidade, Souto Moura expressou a esperança de que a requalificação da biblioteca promova uma renovação urbana mais ampla, incentivando a revitalização da área circundante com a criação de espaços culturais e de convívio.
O arquiteto reconheceu a importância do projeto não apenas do ponto de vista arquitetónico, mas também como uma oportunidade de contribuir "para o bem-estar e o desenvolvimento da comunidade. Não é todos os dias que temos um projeto desses. Um edifício que eu já tinha uma ligação afetiva. Estive aqui. Sem exame. É como um médico ver um doente que está abandonado e maltratado”, declarou Souto Moura.
Ao abordar a escolha do arquiteto Eduardo Souto Moura sem concurso público, e algo que o Tribunal de Contas contestou inicialmente, Rui Moreira defendeu: "Eu queria escolher um arquiteto que percebesse este ambiente. Ele andou por aqui a viver durante seis anos. É muito importante compreender o ambiente".
Trabalhadores e concurso para o acervo
Os trabalhadores da biblioteca vão continuar a trabalhar, disse Rui Moreira, através de vários polos. “Nós vamos distribuir os trabalhadores para os vários polos que temos, neste âmbito de herança que estamos a desenvolver, e portanto isso está garantido”, declarou o autarca.
Além de serem encaminhados para vários locais da cidade, a Câmara do Porto lançou contratação pública para que empresas tratem dos documentos.
“Há empresas que tratam de documentos. Mas não têm apenas que os guardar. Têm também que disponibilizar. Portanto, nós estamos a contabilizar. Há muitas empresas que fazem isso e, aliás, acredito que isso até pode gerar novos negócios na cidade e nas redondezas. Como sabem, hoje em dia, as empresas já não guardam os seus livros na própria empresa”, referiu Moreira.
A Biblioteca Pública Municipal do Porto registou cerca de 120 mil visitas no ano passado e guarda documentos de alta relevância, como os manuscritos de Santa Cruz de Coimbra ou o Diário de Vasco da Gama. O acervo dos periódicos é um dos mais bem referenciados do país.