Há um lago no centro do Porto que devia ser um estádio de futebol. Conheça a “Charca de Salgueiros”

Há um lago no centro do Porto que devia ser um estádio de futebol. Conheça a “Charca de Salgueiros”
André Arantes / Porto Canal
| Porto
Francisco Graça

No centro da cidade do Porto, entre a VCI, a Rua de Monsanto e o Jardim de Arca d’Água, existe um terreno abandonado com um lago do tamanho da Rotunda da Boavista. A massa de água nasceu das escavações dos alicerces de um campo de futebol que nunca chegou a existir. Há quem jure que na água se passeiam camarões negros, já foi local de pesca ilegal e avistam-se frequentemente garças-reais. Quem vive na zona chama ao pântano, com carinho, Estádio do Salgueiros.

“Tudo começou nos anos 90”. A história do lago, dos peixes e do clube tem mais de 30 anos, quando os terrenos do Regado – outro nome para a zona – eram ainda secos e sem charcas. “O então presidente da Câmara do Porto, Fernando Gomes, cedeu-nos os direitos de superfície daqueles terrenos para que aí construíssemos o nosso estádio”, explica Gil Almeida, atual presidente do Sport Comércio e Salgueiros.

Havia uma ideia de um estádio de 12 mil lugares, uma enormidade para um clube como o Salgueiros, mas que nesses anos voava na primeira divisão do futebol português, mantinha um apoio forte e consistente no povo de Paranhos e sonhava ser o maior clube de bairro da cidade.

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Charca de Salgueiros foi apadrinhada por pescadores de fim de semana, peixinhos dourados, garças-reais e corvos-marinhos. Há quem jure ter visto camarões negros nas margens

Um estádio, piscinas, centro comercial e estação de metro

“O meu projeto era um estádio pequeno, agradável, simpático, mas com o conforto e a imagem dos estádios grandes. Espaço para 12 mil pessoas não era excessivamente ambicioso”, garante Pedro Karst, arquiteto responsável por todo o projeto que nunca viu a luz do dia.

Como faltavam meios económicos ao clube para erguer sozinho o estádio, o arquiteto arrancou para as suas “diligências”. Primeiro, desenhou uma série de prédios que ficariam nos limites do lote de Arca d’Água, a serem vendidos e a financiarem parcialmente a empreitada, incluindo uma bomba de gasolina (atual BP, essa sim, ganhou vida). Depois, na cabeceira norte do estádio, virado para a VCI, imaginou um centro comercial que fosse guiando um fluxo constante de dinheiro para o Salgueiros.

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Projeto do Estádio de Salgueiros, desenho pelo arquiteto Pedro Karst. O campo teria um centro comercial na vertente norte, à face da VCI

A seguir, convenceu a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte da “bondade” e “responsabilidade social” de alocar 500 mil euros de fundos comunitários à equipa salgueirista para o desaterro dos terrenos. Por último, argumentou até à exaustão com a Metro do Porto para "desviar" a construção de uma paragem de metro, pensada para debaixo da VCI, para o lote onde estava o Estádio Engenheiro Vidal Pinheiro, antiga casa do SC Salgueiros. A compensação financeira recebida seria a injeção de cash necessária para se avançar com o projeto de Arca d’Água.

“Desenhei ainda um novo plano para o Vidal Pinheiro: o polo aquático era muito forte no Salgueiros. Como os terrenos iam ficar vazios, propus um conjunto de piscinas com edifícios à volta para financiar as obras. Com a estação de metro por baixo e a zona de universidades mesmo ao lado, teríamos ali um outro Fluvial, um projeto com uma dimensão enorme”, explica Pedro Karst.

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Um estádio para mudar um clube? Em Arca d’Água, campo do Salgueiros teria capacidade para 12 mil pessoas

A Lei de Murphy

“Quando a coisa podia correr mal, correu mesmo muito, muito mal”. Gil Almeida não consegue explicar como surgiu o buraco que quase engoliu o SC Salgueiros no início do século XXI.

“Foi um turbilhão. Na altura, o presidente era o José António Linhares”, diz Gil Almeida, e deixa o discurso suspenso. O que não é dito é que o responsável máximo pelo Salgueiros entre 1995 e 2004 esteve nos melhores e nos piores momentos do clube. Viu a equipa disputar os lugares de cima da primeira divisão, mas encaminhou o clube à descida administrativa e ao fim do futebol profissional.

Em outubro de 2009, foi condenado a uma pena suspensa de três anos de prisão por crime fiscal e abuso de confiança, teve dívidas ao Fisco e à Segurança Social e nunca conseguiu afastar a imagem de “carrasco” do Salgueiros. Morreu em 2010.

“O Salgueiros entra com um Pedido de Informação Prévia para construir o estádio em 2000. Iniciam-se as escavações e encontram água no local, alaga tudo. Depois vêm os problemas financeiros. A empresa que ia tratar da alavancagem da construção imobiliária ao lado do estádio declara falência. O Salgueiros desce de divisão, o José António Linhares cai pouco depois, o futebol sénior desaparece em 2005. Em 2006, há a primeira hasta pública para efeitos de distribuição de dinheiro pelos credores do Salgueiros”. O pesadelo interminável descrito por Gil Almeida. A quase morte de um clube por onde passaram Deco, Sá Pinto e Marco Caneira.

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Pejado de dívidas, o SC Salgueiros entra em rotura nos anos 2000. Desce de divisão em 2004 e o futebol sénior desaparece em 2005

Um lago com vista jardim

O desaterro, desinteressado dos problemas humanos, foi-se enchendo de água. O espaço - correspondente aos alicerces do estádio que nunca foi – começou a receber visitas de pescadores de fim de semana que deitavam peixinhos dourados ao lago. As garças-reais e os corvos-marinhos começaram a chegar pouco depois.

“Há muitos motivos para aquela água toda. Passavam ali duas condutas de água da Câmara, que levam a água da zona de Arca d’Água para jusante, encaminha-se pela VCI em direção ao Fluvial. Porque não desaparece a água? Porque o terreno é saibroso, uma espécie de bairro, é bastante impermeável, e depois há ali um nível freático razoavelmente alto, há água nos terrenos circundantes”, conta Pedro Karst.
O Jardim de Arca d’Água foi construído em cima de um manancial antigo, fonte de abastecimento de parte da cidade durante anos. A toponímia das regiões não costuma enganar.

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A charca de Salgueiros, do tamanho da Rotunda da Boavista, enfiada entre a VCI, a Rua de Monsanto e Arca d’Água

A sofreguidão

“Houve uma sofreguidão de uma gestão impossível”, lamenta o arquiteto Pedro Karst. “Era um projeto muito mais importante do que um ou outro momento de futebol no curto-prazo. Já imaginou o que seria um estádio de 12 mil lugares, com centro comercial, e noutra zona um complexo de polo aquático com várias piscinas? Em vez disso, o Salgueiros perdeu o Vidal Pinheiro, perdeu a equipa de futebol, perdeu quase tudo. Foi um ponto de não-retorno. A agonia que eu vi no clube”.

“O estádio não garantia, por si, resultados desportivos que mantivessem o Salgueiros na primeira liga”, concede Gil Almeida, “mas se o estádio tivesse sido construído, os salgueiristas teriam mantido uma casa em Paranhos, do ponto de vista da identidade do clube e dos adeptos, era uma relação física com a freguesia”.

Há uma comparação com o Boavista que pode ser feita, na medida em que ambos os clubes passaram pelo caos da descida administrativa, da falta de dinheiro para pagar aos atletas, do quase fim de clube como se conhecia.

 
 
 
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“O que que segurou as pessoas foi a casa, um foco que unia os adeptos, era um símbolo, uma âncora. Manteve o clube vivo. O SC Salgueiros perdeu a sua âncora, quase morreu por causa disso”.

Entre um estádio que nunca foi, um complexo de piscinas, uma vida assente em Paranhos e um lago não planeado, o Salgueiros não viveu como quis, mas sobreviveu. Agora, num campo cedido pela Câmara do Porto, em Campanhã, vão gerindo um acordar. E olham para Arca d’Água. Se a toponímia significar alguma coisa, os vizinhos do bairro sabem apontar o Estádio de Salgueiros. Com ironia, ou sem.

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