“Sentia muita culpabilidade”. Sete das vítimas de abusos sexuais na Igreja suicidaram-se

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Porto Canal

O relatório da Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica apresentado na passada terça-feira deu conta que sete das vítimas de abusos sexuais na igreja se suicidaram.

“Na amostra obtida, em casos descritos na imprensa ou obtidos por testemunho de outrem (familiar, por exemplo), surge um número elevado de casos que terminaram em suicídio consumado, num total de sete”, pode ler-se no comunicado.

O relatório revelou que foram validados 512 testemunhos de vítimas de abusos sexuais, num total de 564. A comissão explicou que os 512 testemunhos validados, 4.815 são relativos a vítimas desde que iniciou funções em janeiro de 2022.

Ao longo do documento foi estabelecido o perfil do abusador e a forma como este abordava a vítima e, posteriormente, a silenciava.

A “aparente segurança e confiança é referida muitas vezes como o início da aproximação entre a pessoa abusadora e a vítima”. Segundo o relatório, a “pessoa abusadora” aproximava-se perante uma “situação de fragilidade, vulnerabilidade e sofrimento emocional”.

Na maioria dos casos, as vítimas confessaram que se sentiam sob “uma divina necessidade de obediência”, sendo que o agressor era visto quase como um Deus.

“Se, por um lado, se assiste a um certo «querer divino» ou a uma «divina necessidade de obediência», em que o adulto projeta para outrem («Deus») a sua própria perversão, noutras o abuso é imputado à criança como sendo, afinal, uma vontade sua, algo que verdadeiramente deseja ou que vai valorizar de forma emocionalmente positiva, sendo a esta a quem pertence, pois, a responsabilidade por tudo o que está ou irá acontecer”, é explicado no relatório.

Das quase 5 mil vítimas, cerca de 50% nunca tinha falado sobre os abusos. Alguns relatos foram divulgados esta segunda-feira e são reveladores da “da perceção do direito/poder que o adulto sente em relação à criança”.

“O Padre B era o perfeito da camarata e engraçou comigo. Ia à minha cama com a lanterna e apalpava-me. Perguntava-se se eu já pecara. Vivi sempre sobressaltado, porque era pecador e ia para o inferno. Mandava-me ir buscar rebuçados cada vez que tivesse maus pensamentos. Houve um dia que consegui 26 rebuçados. Quando ia ao seu quarto buscar ele apalpava-me todo (…) até que pedi para me confessar com outros padres para não ser sempre o mesmo”. Este é um dos testemunhos, que ao longo da conferência da Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, foram revelados.

Revelação do abuso

Na maioria dos casos, cerca de 51,8% das vítimas já tinham revelado a situação de abuso antes de terem preenchido o inquérito da Comissão Independente. “No entanto, quase metade regista que é a primeira vez que o está a fazer, o que é um dado estatisticamente impressionante nesta mesma amostra e que é consonante com o mais comum neste tipo de situação: o silenciamento continuado do próprio”, pode ler-se no comunicado.

O relatório adiantou que a média de idade do início dos abusos foi de 11,2 anos, acrescentando ainda que estes abusos aconteceram com maior incidência em Lisboa, Porto, Braga, Santarém e Leiria. “Verdadeiras zonas negras”, designou o coordenador da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica.

Perfil do abusador

O relatório da Comissão Independente também conclui que 96,9% dos abusadores são homens, e que a maioria deles eram Padres (77%). Dessa percentagem, 46,7% eram pessoas conhecidas das vítimas.

“77% dos agressores eram padres” que abusavam uma maioria de vítimas do sexo masculino, cerca de 52%, mas também um número significativo de vítima do sexo feminino (47%), salientou o coordenador ao longo da conferência de imprensa.

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