Mundial Qatar'2022: Entre a extravagância e a polémica
Porto Canal
Estamos em contagem decrescente para o Mundial mais caro e, certamente, um dos mais controversos da História. A faltar apenas um mês para o arranque oficial da competição, adensa-se o clima de revolta sobre os bastidores do evento que custou 225 mil milhões de euros e a vida de mais de 6,5 mil migrantes em construções relacionadas com o torneio.
Foi em Dezembro de 2010, que o Qatar foi anunciado como o país acolhedor do mundial de 2022, com alguma surpresa, ou não.
Desde logo surgiram suspeitas de 'batota' e favorecimento a pairarem sobre a candidatura vencedora que, contudo, avançou.
Em Zurique, a escolha do Qatar foi divulgada alguns minutos após a da Rússia para acolher o Mundial em 2018, em detrimento das candidaturas conjuntas de Portugal e Espanha, de Países Baixos e Bélgica e a de Inglaterra.
O então presidente da FIFA, Joseph Blatter, justificou na altura as escolhas com a aposta em "novos territórios", mas, anos mais tarde, admitiu que a realização do Mundial no Qatar, primeiro país do Médio Oriente a receber a prova, tinha sido "um erro", opinião partilhada por milhões de pessoas espalhadas pelos quatro cantos do globo.
O peso do dinheiro catari e a abertura de novos mercados para os patrocinadores terá sido decisivo na atribuição da organização da prova, até porque do ponto de vista desportivo a seleção de futebol do país, na altura, encontrava-se na 113.ª posição do 'ranking' da FIFA.
Como é apanágio, quando um país recebe um mega-evento destas dimensões investe muitos recursos para construir as infraestruturas necessárias para acolher todo o mundo. O Qatar não foi exceção, uma vez tratar-se do país com a terceira maior reserva de petróleo e de gás natural em todo o planeta.
O pesadelo dos bastidores
Assim, o sonho da copa só se tornou possível devido ao pesadelo dos trabalhadores que transformam o megalómano projeto em realidade. Uma investigação do Guardian revelou que mais de 6500 migrantes perderam a vida no país nos últimos dez anos.
Números alarmantes e incompreenssíveis, mas que não espelham uma realidade que se teme ainda mais negra. Isto porque os números apenas incluem migrantes de cinco países asiáticos (Índia, Paquistão, Nepal, Bangladesh e Sri Lanka), faltando comunidades significativas como os trabalhadores provenientes de Filipinas ou Quénia.
Thousands of young men from south Asia in their 20s, 30s and 40s are dying in Qatar and the Gulf. Children are losing their fathers, wives their husbands, families their breadwinners. They get no answers - "he just died" - and little to no compensation. (2/7) pic.twitter.com/jrg5nS5WtW
— FairSquare (@fairsqprojects) February 23, 2021
Cenário que é apontado como um autêntico atropelo dos direitos humanos na construção, a par da banalização de um regime autocrático e de preceitos culturais arcaicos.... condições que foram criando um clima de insatisfação cada vez maior em torno da competição.
Amnistia exige responsabilização
Já esta quinta-feira, a Amnistia Internacional exigiu uma investigação às condições em que morreram milhares de trabalhadores na construção dos estádios e infraestruturas que serão palco do Campeonato Mundial de Futebol no Qatar, bem como a criação de um fundo para indemnizações.
A um mês do início dos jogos no país, a Amnistia lança hoje uma nova petição para que o Qatar e a Federação Internacional de Futebol (FIFA) assumam responsabilidades na compensação dos danos causados às famílias das vítimas e aos trabalhadores que sobreviveram a acidentes de trabalho, na grande maioria migrantes oriundos da cordilheira dos Himalaias.
A Amnistia tem já a correr uma petição (PayUpFIFA), inserida numa campanha global promovida por várias organizações de defesa dos direitos humanos, que reclama uma verba de 433 milhões de euros para um fundo destinado a apoiar as famílias dos trabalhadores que morreram e aqueles que sobreviveram a acidentes de trabalho, durante a edificação do mundial.
"Qatar welcomes you"
Nas últimas semanas, tem circulado nas redes sociais um cartaz que pede aos participantes do Mundial de 2022, que se vai realizar no Qatar, que evitem “ser homossexuais”, namorar e beber álcool em público.
Apresentado em inglês e árabe, o cartaz pede a quem tem bilhete que “façam com que o seu comportamento reflicta o respeito pela religião e cultura do povo do Qatar, evitando fazer algo desta lista de oito comportamentos: beber álcool, homossexualidade, falta de modéstia, [dizer] palavrões, não respeitar locais de culto, [colocar] música e sons altos, namorar e tirar fotografias de pessoas sem permissão”.
#Reflect_Your_Respect 🤚🏻🇶🇦 pic.twitter.com/3bFwda2fgH
— أظهر احترامك 🇶🇦 (@RYRQatar) October 1, 2022
Apesar do cartaz não ser de uma fonte oficial, mas sim de um grupo de cidadãos do Qatar que se auto-intitulam de Reflect Your Respect, muitos pontos de interrogação se colocam nas palavras do presidente da FIFA, Gianni Infantino, que diz que "Toda a gente é bem-vinda ao Qatar, inclusive as pessoas da comunidade LGBTQ+.
No entanto, surge a questão: como é isso possível num país em que a homossexualidade é proibida por lei? Três órgãos de informação nórdicos contactaram todos os 69 hotéis listados sob pseudónimo, receberam resposta de 59 e conferiram que três deles recusaram casais do mesmo género. Vinte impuseram restrições.
Pequeno em dimensão, imenso em riqueza
O emirado árabe do Qatar é uma pequena península que irrompe pelo Golfo Pérsico, mas cujo território é um pouco maior que a região portuguesa do Baixo Alentejo.
Contudo, a influência do dinheiro catari tem crescido em vários setores de atividade no mundo, com especial atenção no futebol. E os infindáveis recursos financeiros alocados para o Mundial refletem o montante gasto em todo o processo de preparação do torneio.
Em 2017, Ali Shareef Al-Emadi, ministro das finanças do Qatar, tinha afirmado a uma delegação de jornalistas convidados a visitar as obras para o Mundial 2022, que os custos totais da organização deste evento que chegariam a 187 mil milhões de euros e que até 2021 teria a expetativa de gastar mais de 440 milhões de euros por semana na construção de infraestruturas.
Segundo algumas estimativas recentes, os custos totais já ultrapassam os 200 mil milhões de euros, devido às derrapagens com algumas obras dos oito estádios.
1. The most expensive World Cup will see the bill rise to US$300 billion for total infrastructure spending in the past decade, ahead of the Nov 20 kick-off in Qatar.
— BFM News (@NewsBFM) October 20, 2022
New stadiums cost over $6.5 billion, while a $36 billion driverless metro system will serve 5 of the 8 venues. pic.twitter.com/Tar7FSav46
A fase final do Mundial vai ser disputada entre 20 de novembro a 18 de dezembro por 32 equipas. Portugal integra o Grupo H da competição, com Uruguai, Coreia do Sul e Gana.