Porto Canal reforça queixa contra ERC. Os detalhes de um jogo que ainda vai a meio
Porto Canal
Ouvido enquanto testemunha no julgamento do caso da divulgação dos e-mails do Benfica, na passada sexta-feira, Carlos Landim, autor do parecer da ERC contra o Porto Canal, reconheceu que é adepto, sócio e acionista do clube da Luz. O jurista revelou ainda que dispõe no seu gabinete, na Entidade Reguladora para a Comunicação Social, de adereços das ‘águias.’
Nuno Brandão, advogado do Porto Canal, requereu a extração de uma certidão da audição da testemunha para juntar ao processo de impugnação da deliberação da ERC, a correr autonomamente no Tribunal Administrativo. Processo que sai assim reforçado com as recentes revelações.
ERC na origem da tese da “truncagem”
Durante mais de um ano, entre o período em que teve início a divulgação dos e-mails do Benfica no programa Universo Porto da Bancada, do Porto Canal, e a deliberação da ERC, nunca se ouviu o termo “truncagem.”
A palavra surge pela primeira vez, precisamente, na deliberação da ERC: “O confronto entre as “versões” das mensagens em questão torna patente a leitura criteriosamente truncada e a interpretação descontextualizada que das mesmas foi feita por parte de Francisco José Marques e acriticamente aceite, reiterada e desenvolvida pelos demais intervenientes no programa “Universo Porto – da Bancada”. Mais adiante, no mesmo documento, é possível ler-se que os e-mails “surgem truncados, através da ocultação de excertos relevantes para a compreensão dos mesmos, com reflexos para a conclusão que deles se pode retirar.”
A tese da “truncagem” é, no entanto, colocada em causa pela defesa, com o argumento de que foi o próprio Francisco J. Marques, por sua iniciativa, a ceder os e-mails em causa, “em bruto”, a alguns órgãos de comunicação social, que no dia a seguir publicavam a versão que serviu justamente de base ao parecer da ERC.
Deliberação da ERC contra o Porto Canal, tornada pública a 6 de junho de 2018, continua no centro da polémica (Imagem: Lusa)
Deliberação da ERC na origem dos processos judiciais
A deliberação da ERC que condena a Avenida dos Aliados (entidade detentora do Porto Canal), na sequência da queixa apresentada pelo Benfica, começou a ter consequências judiciais precisamente um ano depois. O Juízo Cível do Tribunal Central da Comarca do Porto condenava o Futebol Clube do Porto ao pagamento de uma indemnização superior a 2.000.000 € pela divulgação dos e-mails. A sentença assentava, em grande medida, na deliberação da ERC, amplamente citada ao longo de todo o documento:
“Note-se que uma questão semelhante foi já objecto de decisão da ERC na Deliberação ERC/2017/130 (AUT-TV-PC).”
“Pode ainda ser consultado, como mero documento impugnado pelas RR o “duro” e profundo parecer da ERC junto no apenso pareceres, I;”
“In casu o parecer da ERC (ainda não transitado) mas que pode ser usado como mero documento impugnado pelas RR. revela várias truncagens e adulterações que, note-se não se explicam como pretende o Réu FJMarques com o “tempo” e “interesse jornalístico”. Desde logo as RR tiveram quase um ano e 20 programas com a duração de aproximadamente uma hora para exibir os documentos.”
Pedido de escusa descartado
O facto de o parecer da ERC ter ficado nas mãos de Carlos Landim não era inevitável. Isso mesmo foi confirmado ao tribunal pelo jurista, que disse que são três os elementos do departamento a que pertence e que estariam em condições de apreciar o caso. No entanto, Rui Mouta, responsável pela área e superior hierárquico de Landim, não terá visto necessidade de distribuir a queixa do Benfica a outro jurista.
Questionado sobre a hipótese de ter pedido escusa, tendo em conta a potencial situação incompatibilidade, decorrente da sua ligação ao Benfica e do teor do caso, Carlos Landim defendeu-se e afirmou que “não sentiu necessidade.”
Contraditório “não era necessário”
Confrontado com o facto de não ter dado o direito do exercício de contraditório aos visados pelo procedimento de queixa conduzido pela ERC, Carlos Landim disse não ver “necessidade.” Este é um dos pontos que pode fragilizar a posição da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, tendo em conta que um dos argumentos da ERC, na deliberação de 2018, é justamente a alegada omissão do direito ao contraditório, não concedido pelo Porto Canal aos protagonistas dos e-mails.
Decisão da ERC objeto de impugnação
A deliberação da ERC, tornada pública a 6 de junho de 2018, foi votada favoravelmente por todos os membros do Conselho Regulador, com excepção de Mário Mesquita.
A decisão foi objeto de impugnação por parte da Avenida dos Aliados. Nuno Brandão, advogado do Porto Canal, requereu a extração de uma certidão da audição de Carlos Landim enquanto testemunha. Em causa estão dúvidas sobre a imparcialidade do jurista responsável pelo parecer que levou à condenação do Porto Canal, sustentadas nas revelações feitas em tribunal na passada sexta-feira.
Mário Mesquita (1950-2022) foi o único membro do Conselho Regulador da ERC que não votou favoravelmente à deliberação contra o Porto Canal (Imagem: Lusa)
Deliberação “sem valor probatório”
Nuno Brandão defende que a deliberação da ERC “não tem valor probatório.” A convicção do também mandatário de Francisco J. Marques no julgamento dos e-mails baseia-se no facto de nem Francisco J. Marques, nem Diogo Faria serem partes no processo conduzido pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Por outro lado, a deliberação foi impugnada judicialmente e, até ao momento, não transitou em julgado.
Somam-se agora também as suspeitas de parcialidade na origem do parecer.