No 25 de Abril de 74 os portuenses “apoderaram-se” de uma cidade que lhes era negada

No 25 de Abril de 74 os portuenses “apoderaram-se” de uma cidade que lhes era negada
| Porto
Ana Francisca Gomes e Alexandre Matos

De documentos aos livros de história, a revolução dos cravos segue o mesmo enredo, as mesmas personagens, os mesmos acontecimentos. Mas o marco que foi o 25 de abril também se sentiu a Norte, nomeadamente no Porto onde as personagens são outras e recordam uma cidade que lhes foi devolvida ao fim de 48 anos de ditadura. São as histórias de quem viu, quem sentiu e resistiu na revolução dos cravos a partir da invicta.

Na manhã de 25 de Abril de 1974, Palmira Peixoto foi às 07h30 da manhã trabalhar para a Fábrica de Malhas do Ameal, rotina que cumpria meticulosamente desde os seus 12 anos. Não sabia de nada. Nem ela, nem as colegas de trabalho. “Éramos umas miúdas a trabalhar no têxtil, com todo aquele obscurantismo que existia (...) e sem qualquer consciência política”.

 
 
 
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Em S. Mamede de Infesta, onde morava com a família, apanhou o habitual elétrico que a deixava perto do jardim de Arca d'Água. Mas nessa manhã a azáfama que enchia a carruagem deu lugar a “um silêncio”. “Achei estranho porque estava tudo calado, ou a ‘cochichar’. De cada vez que o elétrico parava, toda a gente olhava para ver quem ia entrar, com desconfiança”.

Quando chegou ao trabalho perguntou às colegas se tinham notado alguma coisa diferente. “Parece que houve uma revolução”, diz a murmurar, relembrando a resposta de uma. Nesse dia ninguém trabalhou. Um rapaz do escritório trouxe com ele um rádio de pilhas para ouvirem as notícias e, mais tarde, alguém as mandou para casa. Estava “numa ânsia tão grande” que saiu da fábrica diretamente para uma papelaria “para comprar o Notícias”. “Cheguei e o funcionário perguntou-me que edição é que eu queria, porque só nessa manhã já tinham saído não sei quantas”.

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Venda do JN com notícias da revolução no Viaduto de Gonçalo Cristóvão. 25 de Abril de 1974. Foto: Porto Desaparecido

O ‘dia inicial inteiro e limpo’ amanheceu de forma tímida na cidade do Porto, com muitos a tardar a perceber o que se passou. As notícias que iam chegando da capital davam conta de que um Golpe Militar das Forças Armadas tinha eclodido e estaria no bom caminho.

Também Manuel Lopes, à data com 31 anos, os acontecimentos passaram ao lado. Para o octogenário, que morava na Lapa junto ao Quartel Militar, o dia 25 de abril de 74 foi “um dia quase normal”.

“Andava ainda tudo muito caladinho, tudo cheio de medo. Mas quando se começou a saber que tinha havido uma revolução eu fui um dos primeiros a escrever “Viva a Liberdade” num pedaço de papelão. Fiquei logo cunhado como ‘o comunista’”, relembra, entre risos.

Só à tarde é que as ruas da invicta se foram enchendo de cada vez mais portuenses, que rumaram, ao longo do dia, até à Avenida dos Aliados. Não Palmira, de 18 anos, a quem a mãe viúva proibiu de sair nesse dia. “Eu e os meus seis irmãos queríamos ir para a baixa, mas ela disse ‘calminha, se isto correr bem vocês vão para lá amanhã’”.

Nessa tarde, dezenas de pessoas foram-se concentrando em frente à Câmara do Porto, de onde foram disparados tiros.

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Populares apedrejam a Câmara Municipal do Porto, na sequência de tiros disparados do edifício por elementos da PSP, na tarde de 25 de abril de 1974. Foto: Porto Desaparecido

Os relatos do dia seguinte, 26 de abril, contam que a Praça da República se encheu de pessoas em frente ao Quartel General do Porto. “A noção de que as coisas podiam andar para trás estava tão enraizada nas pessoas e o apoio aos militares foi de tal ordem que as pessoas não deixavam a rua”, garante Palmira. “Porque se os militares se sentissem apoiados, as coisas não andariam para trás”.

“Quando dizem que só as pessoas em Lisboa é que estavam na rua é mentira!”

 Desse dia em diante foi história tudo o que se passou. Manuel Lopes garante que a diferença que sentiu foi de tal ordem que “a cidade mudou da água para o vinho”. Mais de duas pessoas era, à data, consideradas um ajuntamento. Quem o dizia era a polícia política. Na Rua Sampaio Bruno, específica Lopes, os agentes chegavam junto de grupos e diziam “é rodar, é rodar”. Com a revolução, os portuenses puderam, finalmente, apoderar-se de uma cidade cujas ruas não eram suas.

 Miguel Moreira, de 60 anos, vem de S. Pedro da Cova, uma vila gondomarense “muito perseguida pela PIDE e pelo facismo”. Na terra das minas “os trabalhadores eram explorados de uma forma desumana” e as crianças não tinham tempo para o ser - “de meninos passávamos logo para homens” - e, por isso, foi uma terra onde se “viveu intensamente o 25 de Abril”.

O reformado recorda como a revolução transformou não só a vila - onde não havia estradas e onde muita gente passou fome - mas também a sua própria casa. “Uns dias após a revolução passamos a ter um colchão - até aí dormíamos em palha - depois veio mais outro, depois um frigorífico e mais tarde uma televisão”. A voz falha. E não é para menos. “O 25 de Abril de 74 emociona-me porque deu-me tudo, tudo o que eu sou devo a esse dia”, justifica.

 Aos mais jovens, o sexagenário deixa um conselho: “lutem pelos vossos direitos”. E relembra ainda os muros que a liberdade derrubou. “Agora é completamente normal ver um jovem ir para a universidade, mas antes só os filhos dos ricos tinham o ensino superior”. Em Gondomar só havia uma escola secundária. “Não era por não haver crianças, era porque aos 10 anos já estavam todas a trabalhar. O povo quanto mais ignorante, melhor para o regime”.

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Avenida dos Aliados, 1 de Maio de 1974. Foto: Porto Desaparecido

 A Norte, o 25 de Abril consolidou-se, essencialmente, a 1 de Maio de 1974. Até então proibido pelo Estado Novo, o ‘Dia do Trabalhador’ voltou a ser feriado nacional. No Porto, foi uma das maiores manifestações populares de sempre, com milhares de pessoas a encherem os Aliados.

 Manuel Lopes recorda como nunca tinha visto tanta gente junta como naquele dia. Miguel Moreira lembra o dia como “um teste” que consolidou a revolução. Palmira Peixoto emociona-se. “Era como se eu fosse irmã daquela, daquele, de todos. A comunhão entre cada um dos que estavam ali era tão estreita, tão verdadeira, era impossível descrever a alegria. Milhares e milhares de pessoas lá em baixo. (...) Isso deu-nos perspectivas de vida e de futuro que nós não tínhamos”.

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