Covid-19: Credores privados só aceitam alívio da dívida com contrapartidas

| Economia
Porto Canal com Lusa

Londres, 06 mai 2020 (Lusa) - Os analistas e advogados contactados pela agência de informação financeira Bloomberg sobre o alívio da dívida aos países em desenvolvimento consideram que a iniciativa muito dificilmente será aceite pelos credores privados sem uma contrapartida apelativa.

"Para esta maioria de investidores privados, fundos de investimento, fundos soberanos e fundos de pensões aceitarem o acordo, tem de ser oferecido um 'doce' ou então ser muito amigo dos credores", sintetizou o diretor do departamento de investimentos da Capitulum, uma gestora de ativos que gere mais de mil milhões de euros, admitindo que "é muito improvável" que as iniciativas propostas pelo G20 avancem.

Lutz Roehmeyer referia-se à proposta apresentada pelas 20 economias mais industrializadas do mundo relativamente a uma moratória nos pagamentos da dívida dos países mais vulneráveis, que vai de maio a dezembro deste ano, mas para a qual ainda não há a adesão dos credores privados.

O Instituto Financeiro Internacional, representante da maioria dos credores comerciais a nível mundial, estima que os países mais pobres tenham de pagar cerca de 140 mil milhões de dólares este ano, o que se torna um valor impraticável devido aos efeitos da pandemia da covid-19.

Mesmo antes da pandemia ter cortado as receitas dos governos e obrigado os países a fecharem as fronteiras em África, muitos países já estavam altamente afetados pelo elevado nível de dívida que emitiram nos últimos anos, que em África representou um valor de 60 mil milhões de dólares, cerca de 55 mil milhões de euros, em 2018 e 2019, elevando os níveis de dívida pública para mais de metade do PIB no final do ano passado e mais de metade do rácio registado em 2008.

"Os 'fundos-abutre' podem ver aqui uma oportunidade de comprar ativos a um desconto muito apelativo", comentou o fundador da Mobius Capital Partners, Mark Mobius, lembrando que a Moody's, por exemplo, vê uma revisão dos termos de pagamento, mesmo com o acordo dos credores, como um 'default', implicando uma revisão do 'rating' dos credores e dos devedores.

Pelo contrário, a Standard & Poor's já avisou que, no âmbito do acordo avançado pelo G20, irá analisar o 'rating' de cada país caso a caso, não sendo forçoso que considere a falta de pagamento como um 'default'.

Apesar da resistência, alguns dos gestores de fundos consideram que devido à falta de capacidade dos devedores para honrarem os compromissos financeiros, é preferível uma reestruturação do que simplesmente deixarem de pagar.

"Porquê processar para receber e demorar 10 anos a receber 100% da dívida e ser visto no mercado como um parvo no meio de uma crise de saúde", questionou o presidente da Greylock Capital Management, Hans Humes, que, segundo a Bloomberg, já participou em dezenas de reestruturações de dívida soberana.

É preferível, defendeu, dar algum espaço para os países recuperarem da crise e retomarem os pagamentos no futuro, sugerindo que estes países disponibilizem uma parte das receitas futuras da venda das suas matérias-primas para ajudar a convencer os credores, o que no fundo foi o que Moçambique fez para garantir a reestruturação dos títulos de dívida soberana que resultaram da reconversão das obrigações da Empresa Moçambicana de Atum - Ematum.

Para o diretor de política de endividamento no instituto britânico Oxfam, "parece haver alguma vontade do setor privado [em participar na iniciativa de alívio da dívida proposta pelo G20], mas é preciso que haja mudanças legislativas concretas, bem como um órgão global de resolução de conflitos para isto resultar".

Para Jaime Atienza, as jurisdições de Londres e Nova Iorque deviam legislar para impedir que os credores processem os países que não cumpram os pagamentos, tal como defende o Comité para o Jubileu da Dívida, uma das 100 Organizações Não Governamentais, incluindo a portuguesa Oikos, que defende um perdão de dívida face às consequências da covid-19.

Em sentido contrário, o diretor da consultora financeira francesa Finexem considera que as consequências de um alívio da dívida são imprevisíveis.

"Esta ideia de um alívio da dívida abre uma caixa de Pandora porque não há um enquadramento para uma reestruturação ordenada da dívida com todos os grupos de credores; devemos olhar para isto numa segunda fase, e não quando estamos a meio de uma crise", concluiu.

O número de mortes provocadas pela covid-19 em África subiu hoje para 1.959, com mais de 49 mil casos da doença registados em 53 países, segundo as estatísticas mais recentes sobre a pandemia naquele continente.

A nível global, segundo um balanço da agência de notícias AFP, a pandemia de covid-19 já provocou mais de 254 mil mortos e infetou quase 3,6 milhões de pessoas em 195 países e territórios. Mais de um 1,1 milhões de doentes foram considerados curados.

MBA // VM

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